Aminésia Social

Os fatos ocorridos no final de semana de 12 a 14 de maio de 2006 marcaram a história da violência em nosso país. Uma onda de ataques premeditados do crime organizado se espalhou por algumas cidades do Brasil. Começando com rebeliões nas cadeias de São Paulo e culminando em ataques a bases comunitárias da polícia, a delegacias, bancos e a policiais, bombeiros e civis nas ruas, o crime organizado matou mais de 100 pessoas nesses três dias de violência. Isso evidenciou mais uma vez o alto índice de violência e a fragilidade da segurança pública de nosso país.

A sociedade reagiu com medo, desespero e insegurança. Nossas autoridades reagiram com discursos corajosos e imponentes a fim de mostrar a população segurança e enfrentamento a essa onda de violência. São Paulo, a principal cidade vítima desses ataques, viu seus cidadãos de bem fugirem e se esconderem trancados em suas próprias casas, enquanto os bandidos agiam soltos pelas ruas da cidade. E os policiais valentes marchavam nas ruas para proteger a população e combater os ataques, enquanto ouviam e obedeciam aos discursos enraivecidos e as ordens das autoridades do estado e da polícia, e os protestos da mídia e da população contra os ataques da organização criminal.

Enquanto isso, ainda sob o efeito dos ataques, a mesma população vítima dessa violência relaxa um pouco ouvindo atentamente a lista dos convocados da seleção brasileira de futebol para a copa do mundo na Alemanha. O clima da festa da copa do mundo começa a se criar e a se espalhar no coração dos brasileiros tão sofridos. A mídia se divide em mostrar o luto das famílias que perderam seus parentes policiais que defenderam o Brasil contra a violência no dias das mães, e em mostrar outras famílias comemorando a convocação de seus parentes jogadores para defender o Brasil na copa. Diante disso, surge um sentimento de euforia que se expressa pela alegria do clima da copa e o desespero pelo clima de violência que invade nossa sociedade.

O que mais preocupa é que nós brasileiros sofremos constantemente de amnésia social. É muito fácil esquecermos nossas lutas, desafios e ideais por um Brasil melhor quando somos anestesiados por entretenimento alienante. Parece que a mídia formata e domestica nossa mentalidade crítica, nossas emoções e reações. Se o efeito entorpecente da mídia quiser anestesiar nosso furor de luta e protesto fará com doses de amnésia social e nos levará para onde ela quiser. Isso é fácil: Naquele fim de semana, o brasileiro esqueceu os escândalos políticos dos candidatos à presidência e agora vai esquecer rapidamente a luta contra o crime organizado quando o futebol moleque do Brasil balançar as redes dos campos alemães na copa. O povo cai no esquecimento muito fácil em troca de um punhado de espetáculo e entretenimento alienante. E a mídia se diverte ganhando audiência e capital e nos diverte com aminésia social.

É claro que nem só de lutas, protestos, violência, sofrimento e dramas vivem os brasileiros. Mas também nem só desses entretenimentos alienantes sobrevivemos. Sabemos do poder que a mídia tem de informar e de nos formar. Mas ao mesmo tempo em que a mídia nos mostra a violência e a denuncia, também domestica nossas críticas e ações políticas quando aplica doses de amnésia social a base de entretenimento. E o resultado é que nossos maravilhosos problemas sociais são jogados para debaixo do tapete do esquecimento.

E o que falar dos cidadãos cristãos? Somente a CNBB reagiu apoiando a reação com força da polícia e criticando o sistema judiciário e carcerário do Brasil. E agora pergunto: Onde estão os evangélicos nessa hora? Onde estão agora os milhares de evangélicos que marcham pelas ruas da cidade cantando corajosamente que “o nosso general é Cristo, seguimos os seus passos, nenhum inimigo nos resistirá” e declarando que “O Brasil é do Senhor Jesus”? Onde está o protesto dos protestantes contra a violência? Não vejo a igreja evangélica inconformada com este século violento. Vejo uma igreja alienada, arrebatada e isolada da realidade sócio-político de nosso país.

E o que devemos fazer? E o que devemos ser? Não é fácil responder, mas temos que propor e agir: Protestar e lutar contra a violência enquanto torcemos pelo futebol brasileiro sem se esquecer dos desafios que estão por aqui. Esperamos que após a copa o brasileiro não continue com o espírito de torcedor nas eleições, mas que seja um eleitor engajado socialmente, um cidadão consciente, crítico e agente de transformação social e histórica do nosso Brasil. Não podemos nos deixar levar pela formatação da mídia em nossas mentes e ações. Temos que ter um olhar crítico e uma ação rápida e urgente para não nos conformar com este momento de violência e corrupção. Assim, só assim, vamos tentar melhorar o Brasil e dá outro rumo a nossa história, além de querer tanto o Hexa.

JAIRO FILHO - Escrito em 15/05/2006

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