Matem os comentaristas

A massa atual de intérpretes da Bíblia tem prejudicado, mais do que ajudado, o nosso entendimento dela. Na leitura dos acadêmicos, tornou-se necessário agir como se faz em uma peça de teatro, onde a profusão de espectadores e luzes impede, por assim dizer, nosso prazer da peça em si e, no lugar disso, somos tratados como pequenos incômodos. Para ver a peça, temos de ignorar essas coisas, se for possível, ou entrar por um caminho que ainda não tenha sido bloqueado. O comentarista [da Bíblia] se tornou um intrometido dos mais perigosos.

Se você quer entender a Bíblia, certifique-se de lê-la sem um comentário. Pense em um casal apaixonado. Ela escreve uma carta para o seu amado. Ele estaria preocupado com o que os outros pensam dessa carta? Ele não a leria toda sozinho? Colocando em outra forma, nem passaria pela sua cabeça ler essa carta com um comentário! Se a carta de sua amada estivesse em uma linguagem que ele não compreendesse, então ele aprenderia essa linguagem, mas certamente não leria a carta com o auxílio de comentários. Eles seriam inúteis. O seu amor por sua amada e a sua disposição de cumprir seus desejos o tornariam mais capaz de entender sua carta. O mesmo se dá com a Escritura. Com a ajuda de Deus, podemos entender a Bíblia toda corretamente. Cada comentário retira algo, e aquele que se senta com dez comentários para ler as Escrituras estará provavelmente escrevendo o décimo-primeiro, mas certamente não estará lidando com as Escrituras.

Suponha agora que essa carta apaixonada tenha um atributo único: cada ser humano é alvo desse amor. E agora? Deveremos nos sentar e discutir o significado uns com os outros? Não, cada um de nós deveria ler essa carta individuamente, como se fora o único indivíduo que tivesse recebido essa carta de Deus. Na leitura, estaremos preocupados principalmente conosco e em nosso relacionamento com Ele. Não nos focaremos em detalhes como 'essa passagem pode ser interpretada dessa forma' e 'aquela passagem pode ser interpretada dessa outra forma', não! O importante para nós será agirmos o mais rápido possível.

Será que o amado não pode nos dar algo que nenhum comentarista pode? Pense nisso! Nós não somos os melhores intérpretes de nossas próprias palavras? Depois disso, [o  melhor intérprete] é aquele que nos ama. E em relação a Deus, não seria o verdadeiro crente o Seu melhor intérprete? Não nos esqueçamos: as Escrituras são as placas de sinalização, Cristo é o caminho. Matem os comentaristas!

É claro, não são apenas os comentaristas que estão errados. Deus quer forçar cada um de nós a voltar ao essencial, para um início infantil. Porém não queremos estar nus dessa forma perante Deus. Todos preferimos os comentaristas. Assim, cada geração que passa fica ainda mais fraca.

O que realmente precisamos então é de uma reforma que coloque a própria Bíblia de lado. Sim, isso tem tanta validade agora quanto Lutero rompendo com o Papa. A ênfase atual em voltar à Bíblia tem, tristemente, criado religiosidade do aprendizado e dos sofismas literais – um desvio total. Esse conhecimento tem sido repassado de forma trágica para as massas de modo que ninguém mais pode tão-somente ler a Bíblia. Todo nosso aprendizado bíblico tornou-se uma fortaleza de desculpas e escapes. Quando se trata da vida, da obediência, sempre tem alguma coisa com a qual precisamos lidar primeiro. Vivemos sob a ilusão de ser necessária a interpretação correta ou termos uma crença perfeita, antes como pré-requisitos para começar a viver – isto é,  usamos isso como desculpa para não fazer o que a Palavra diz.

Há muito tempo, a igreja tem precisado de um profeta que, em temor e tremor, tenha a coragem de proibir o povo de ler a Bíblia. Sou tentado, portanto, a fazer a seguinte proposta: recolhamos todas as Bíblias e as levemos a um lugar aberto ou a uma montanha e, então, enquando todos nós nos ajoelhamos, alguém fale com Deus desta forma: "Leve de volta esse livro. Nós, cristãos, não estamos aptos a nos envolver com tal coisa; ela somente nos torna orgulhosos e infelizes. Não estamos prontos para ela". Em outras palavras, eu sugiro que, como aqueles habitantes cujos porcos foram precipitados na água e morreram, imploremos a Cristo para "que deixe nossa vizinhança" (Mt. 8:34). Isso ao menos seria uma declaração honesta – algo muito diferente do erudicionismo nauseante e hipócrita que é tão comum hoje.

A questão toda é muito simples. A Bíblia é muito fácil de entender. Mas nós, cristãos, somos um bando de vigaristas cheios de intrigas. Fingimos que somos  incapazes de entender porque sabemos que, no mesmo instante em que entendermos, seremos obrigados a agir de acordo. Pegue quaisquer palavras do Novo Testamento e esqueça tudo, exceto comprometer-se a agir de acordo. Você dirá: "Meu Deus, se eu fizer isso, minha vida inteira será arruinada. Como eu poderia ser bem sucedido no mundo?"

Aqui reside o verdadeiro lugar da erudição cristã: a erudição cristã é a prodigiosa invenção da igreja para se defender da Bíblia, para garantir que possamos continuar a ser bons cristãos sem nos aproximarmos demais da Bíblia. Oh, erudição preciosa, o que faríamos sem você? Terrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo. Sim, é mesmo horrível ficar a sós com o Novo Testamento.

Abro o Novo Testamento e leio: "Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens, dá o dinheiro aos pobres e segue-me". Bom Deus, se nós realmente fizéssemos isso, todos os capitalistas, os legisladores e os empresários, de fato, toda a sociedade, seria composta de mendigos! Estaríamos afundados, não fosse a erudição cristã! Louvados sejam todos que trabalham para consolidar a reputação da erudição cristã, que ajudam a reprimir o Novo Testamento, esse livro confuso que nos desmontaria se fosse realmente livre (isto é, se a erudição cristã não o reprimisse).

A Bíblia ordena com autoridade em vão. Ela admoesta e implora em vão. Nós não a ouvimos – ou seja, nós ouvimos sua voz por intermédio da interfência da erudição cristã, os experts que foram apropriadamente treinados. Assim como um estrangeiro que protesta seus direitos em um idioma desconhecido não se importa em dizer palavras ousadas face a autoridades – mas, veja, o intérprete que traduz o que ele fala para as autoridades não se atreve a fazê-lo, mas substitui essas palavras por outras mais amenas – assim é a Bíblia lida pela ótica das interpretações cristãs.

Declaramos que a erudição cristã existe especificamente para nos ajudar a entender o Novo Testamento, de forma que possamos compreendê-lo melhor. Nenhum homem insano ou prisioneiro de Estado foi tão confinado quanto o Novo Testamento. Embora todos fiquem preocupados, ninguém nega que eles estão enclausurados, mas as preocupações em relação ao Novo Testamento são ainda maiores. Nós o enclausuramos, mas alegamos estar fazendo o oposto: que estamos muito ocupados ajudando o Novo Testamento a ter mais clareza e direção. Mas, é claro, nenhum maluco ou prisioneiro de Estado seria tão perigoso para nós como o Novo Testamento, se ele fosse livre.

É verdade que nós, protestantes, fizemos um grande esforço para que cada pessoa pudesse ter a Bíblia – mesmo na sua própria língua. Ah, mas que esforços nós tomamos para insistir junto a todos que ela pode ser entendida apenas por intermédio dos acadêmicos cristãos! Essa é a nossa situação atual. O que tenho tentado mostrar aqui é facilmente declarado: eu queria fazer as pessoas conscientes e admitir que acho o Novo Testamento muito fácil de compreender, mas, até agora, tenho achado tremendamente difícil agir de maneira literal sobre o que ele diz de forma tão clara. Eu talvez pudesse tomar uma outra direção e inventar um novo tipo de acadêmicos, trazendo à tona ainda mais um comentário, mas estou muito mais satisfeito com aquilo que eu tenho feito - fiz uma confissão sobre mim mesmo.

de Søren Kierkegaard, tradução por Walter Cruz

Grifo em azul é meu, Jairo Filho.

Qual a mensagem dessa foto-grafia?


Carta de um apóstolo ao seu bispo



Paulinho, apóstolo pela unção do mover dos últimos dias, líder na prosperidade e na conquista, a Timmy, verdadeiro filho na obediência a tudo o que digo, e que nada tem a dizer em contrário, pois sabe que Deus fere a quem mexe com um ungido do Senhor — fé e obstinação neste ano de Elias e de Gideão, conforme a fé de Abraão, e o poder dos 318 na Fogueira Santa de Israel.


Quando eu estava de viagem, rumo à Disney, roguei que permanecesses ainda em São Paulo para admoestares a certas pessoas, a fim de que não ensinem outra doutrina, nem se ocupem com sites sobre a Graça, que, antes, promovem discussões do que o serviço de nossa causa.

Ora, o intuito da presente admoestação visa levar todos ao temor e ao medo, ajudando-os a abandonarem suas próprias consciências a fim de seguirem apenas a nossa.

Desviando-se algumas pessoas de nossa Visão de prosperidade, quebra de maldiçoes, células e moveres, perderam-se em loquacidade frívola, pretendendo passar por mestres de uma “outra Visão de Deus”, não compreendendo, todavia, nem o que dizem, nem os assuntos sobre os quais fazem ousadas asseverações, dizendo que estamos contra o que Jesus ensinou.

Sabemos, porém, que a Visão é boa, se alguém dela se utiliza de modo safo, tendo em vista que não se promulga a Visão para quem é lúcido de espírito, mas sim para gente fraca, infeliz, pagã de mente, cheia de tragédias, e, sobretudo, para todos quantos não se opõe à Visão Apostólica (que se sintam culpados o suficiente para fazerem o que mandamos), segundo o mover que recebemos, e do qual fui encarregado pelos Apóstolos do Brasil.

Sou grato para com aquele que me deu a Visão, que me considerou fiel, designando-me para o ministério,da expropriação indébita e da catividade dos homens, pois, se vão dar de dinheiro para alguma coisa, que seja então para nós, em cujas mãos o dinheiro terá bom uso.

A mim, que, noutro tempo, era frio, crente, amante da Palavra, mas pobre e derrotado, me foi dada a Visão.

Transbordou, porém, a PROPSERIDADE DE DEUS, e foi me deixando cada vez mais rico, conforme a fé de Abraão e as correntes de prosperidade que fiz.

Fiel é a palavra de DETERMINAÇÃO e digna de toda aceitação: que nós, os da Visão Apostólica, recebemos de Jesus Cristo o poder de falar e vermos as coisas acontecerem conforme o nosso COMANDO.

Mas, por esta mesma razão, me foi concedida a fé para prevalecer sobre os outros e ver meu ministério maior e mais poderosos, visto que de nada adianta a eternidade sem muito poder, dinheiro e fama no tempo presente.


Assim, ao Rei eterno, imortal, invisível, Deus único, honra e glória pelos séculos dos séculos, por meio de nossa prosperidade e poder sobre os homens. Amém!

Este é o dever de que te encarrego, ó filho Timmy, segundo as profecias de que antecipadamente foste objeto: combate, firmado nelas, o bom combate, que é arrancar dos ímpios a grana deles, até o fim; isso mantendo a determinação, pois, essa coisa de boa consciência é para crente à antiga, não para nós, que, pela Visão, fomos postos acima dessas coisas básicas; posto que os que não fazem como nós fazemos, estarão sempre sem prosperidade ministerial e na vida pessoal.

E dentre esses se contam Caio, Brega, Marcelo, Chico e outros; os quais entreguei a Satanás para serem castigados, a fim de não mais blasfemarem contra a Visão.



Antes de tudo, pois, exorto que se use a prática de correntes, de campanhas, de dias especiais de prosperidade em favor exclusivamente dos que, indo, sempre deixam dinheiro para a Visão.

Não se esqueça que nossa prioridade é conquistar o Brasil, tendo os governadores, deputados, presidentes e demais autoridades em nossas mãos; sim, todos os que se acham investidos de autoridade; para que vivamos vida rica e abastada, ainda que percamos a piedade e o respeito.

Isto é bom e aceitável diante de mim, que sou o Pai da Visão.

Ora, é meu desejo que todos os homens sejam envolvidos em nossos grupos e células, até que todos sejam como eu e conforme o nosso Curso Acerca da Visão e dos Moveres.

Porquanto há uma só Visão e uma só mediadora entre Deus e os homens, a nossa Visão e a freqüência às nossas campanhas e Fogueiras Santas; a qual, a Visão, tem o poder de fazer todos os homens ficarem ricos, e assim, darem mais para nós. .

Para isto fui designado Profeta e Apóstolo (afirmo a verdade, não minto), mestre dos crentes inseguros na fé e na verdade (melhor público alvo para nós!).

Quero, portanto, que os homens dêem muito, enquanto levantam as mãos nos cultos, ainda que com ira e animosidade.

Da mesma sorte, que as mulheres, em traje de peruas, se ataviem com opulência, com cabeleira frisada e com ouro, ou pérolas, ou vestuário dispendioso, sem esquecer de darem esmolas para as creches fantasmas que criamos (como é próprio às mulheres que professam ser da Visão).

A mulher aprenda em silêncio, com toda a submissão, pois o que lhe cabe é contribuir; a menos que ela venha a tornar-se uma Bispa da Visão.

Fiel é a palavra: se alguém aspira ao episcopado, excelente obra almeja; pois, por meio dele, pode-se ficar rico e poderoso.

É necessário, portanto, que o bispo seja malandro, safo, aparentando ser esposo de uma só mulher, destemperado, expansivo, capaz de se gabar da Visão, sem muita sensibilidade, apto para enganar; dado ao vinho pra esquentar antes de entrar no palco, violento se necessário, porém com cara de bonzinho; ainda que goste de contendas, seja avarento. É muito importante, todavia, manter as aparências, por isto, ele deve ser alguém que mostre governar bem a própria casa, criando os filhos na igreja e na Visão, com toda a aparência de coisa boa (pois, se alguém não sabe governar a própria casa, como cuidará da minha igreja e da minha Visão?); que seja jovem a fim de impressionar, pois há grande poder na soberba de um jovem imaturo e cheio de cobiça conforme o espírito de nossa Visão.

Também é necessário que ele tenha bom testemunho dos de fora como comunicador e homem de marketing, a fim de dar volta até no diabo. Ou seja, Timmy: procuramos camelôs que percebam a vantagem da Visão!


Escrevo-te estas coisas, esperando ir ver-te em breve; para que, se eu tardar, fiques ciente de como se deve proceder na casa de Deus, que é a porta da Visão da Prosperidade.


Ora, em nossa conferencia da Visão determinamos expressamente que, nos últimos tempos, alguns apostatarão da fé, por obedecerem a espíritos enganadores e a ensinos de demônios, seguindo a Graça de Deus, a qual, não existe como eles falam, sendo apenas algo liberado por um Apóstolo credenciado por mim, o Pai da Visão.

Eles agem assim pela hipocrisia dos que falam mentiras e que têm cauterizada a própria consciência, que proíbem as correntes santas, as barganhas, o lucro vindo dos dízimos, coisas que Deus criou para nós, os da Visão; pois todo dinheiro é bom, e, recebido com ações de graças, nada é recusável, nem que antes se tenha dar uma lavada nele, porque, pelas nossas campanhas e projetos, até o dinheiro do tráfico é santificado.

Expondo estas coisas aos irmãos, serás bom ministro da Visão, alimentado com as palavras da fé e da boa doutrina que tens seguido.

Mas rejeita as fábulas profanas e de gente que vem com aquela velha história da Graça de Deus. Exercita-te, pessoalmente, no orgulho, nas riquezas, na vida abastada e poderosa; pois, elas sim, têm grande proveito.

Pois o exercício na Palavra, como eles dizem, para pouco é proveitoso, mas as campanhas da Visão para tudo são proveitosas, porque tem a promessa da vida próspera aqui e agora.

Fiel é a Visão e digna de inteira aceitação.

A Prosperidade, a riqueza, os poderes humanos sejam contigo aqui e agora!



Eu, Paulinho, abençôo-te com a minha unção de nobreza, para que tua cara seja mais forte que o diamante, a fim de que, questionado, tu nunca desistas da Visão de Prosperidade e Riqueza que aprendeste de mim.


Fonte: www.caiofabio.com

EM SEIS PASSOS O QUE FARIA JESUS? Novíssimo Manual de Conduta do Seguidor de Jesus

Disponibilizo aqui um dos textos que impactou minha vida. Este texto se encontra originalmente no blog do autor Paulo Brabo: www.baciadasalmas.com.br.

Este texto foi tranformado em livro publicado em setembro de 2009 pelos impenitentes da Garimpo Editorial.

Sugestão do Paulo Brabo: "Se não encontrar o livro na livraria mais suspeita ou mais próxima, você pode comprá-lo online no sáite da Garimpo.

O último capítulo, que deve amarrar todo o conteúdo anterior (para quem acha esse tipo de coisa necessária), estará disponível apenas na edição em papel; chama-se Além da memória e foi instigado por uma sacada do insubmisso Rondinelly Gomes de Medeiros.

O livro não tem capa, mas com conteúdo tão precário quem precisa dessas definitudes? Partamos sem entraves para as entranhas".


Dica: Aproveite cada caractere.

Desejo: Boa leitura! E durma com esse barulho.

Em Cristo,  o verdadeiro paradigma de espiritualidade

Jairo Filho




Como vivo dizendo, ser cristão tornou-se insulto adequado para todo tipo de conduta, menos na escandalosa acepção original: a de quem assume a trilha de Jesus em sua espiral voluntária e redentora à desintegração e à morte – e quem sabe, à glória, mas por essa única via. Aprendemos a sensatamente desbastar todo o conteúdo subversivo da mensagem de Jesus (da forma como fazemos, naturalmente, com profetas menos consagrados, de Sócrates a Nietzsche), até o ponto em que o que Jesus disse e fez não represente qualquer interferência na nossa pretensão de sermos seguidores dele.

A fim de remediar essa situação, meu desejo é fazer como o ateu da parábola e resgatar para o público contemporâneo o contéudo ideológico do bem-intencionado mas cabeça-dura rabi que os cristãos garantem ser o messias dos judeus, que os judeus negam ser o messias e o único Filho de Deus e que os muçulmanos afirmam ser profeta incompreendido do único Deus, que não tem filhos.

Este, senhoras e senhoras, é o primeiro capítulo de um Novíssimo Manual de Conduta do seguidor de Jesus, a ser lançado em breve para todo Brasil pelo Scriptorium do Monastério de São Brabo, em laboriosas cópias manuscritas. Resolvi chamá-lo de Em Seis Passos Que Faria Jesus, por motivos que se não ficaram evidentes ainda ficarão.

Você quer ser como Jesus? Seguindo esses seis passos muito simples você alcançará rejeição imediata na terra e consagração a médio prazo no céu. A pressa é sua.

PRIMEIRO PASSO: Viva a intolerância contra os religiosos - Por Paulo Brabo

SEGUNDO PASSO: Faça o que os outros não esperam - Por Paulo Brabo

A intolerância contra os religiosos não é a marca mais singular do impenitente seguidor literal de Jesus; talvez não seja sequer a primeira. Esse passo na verdade flui naturalmente dos seguintes, que serão talvez cada vez mais íntimos e essenciais (temos além disso a vantagem de que os líderes religiosos de hoje, embora requeiram incrivelmente mais atenção, luz da ribalta e purpurina, são em geral levados menos a sério do que no tempo de Jesus. Mesmo os que os que se dão ao trabalho de ouvi-los tratam de não levar em conta o que eles exigem).

O segundo passo para quem quer seguir a trilha ainda virgem deixada por Jesus é mais sutil e muitas vezes mais exigente. Ele requer que sejamos, como ele, em tudo inclassificáveis e inesperados: lisos como peixes. Requer que façamos o que os outros não esperam de nós a cada dado momento – um momento atrás do outro, a vida inteira. Que permaneçamos um incômodo mistério para os outros, não pela nossa conformidade a padrões tidos como suficientemente exigentes, mas pela nossa incorfomidade para com esses e para com todos os padrões. Que sejamos, numa palavra, subversivos.

Essa absoluta imprevisibilidade de Jesus era talvez a sua característica mais evidente e desconcertante para os contemporâneos dele. Se algum consenso foi se desenvolvendo entre os que iam conhecendo o descarado rabi da Galiléia era que nada se podia tomar por certo a respeito dele. Não importava quão seguro fosse o seu argumento, quão firme a sua convicção, quão inabalável a sua dedicação: Jesus desarmaria todas as vezes, para o bem ou para o mal, qualquer um que se aproximasse dele oferecendo um elogio ou uma provocação.

Não havia como fazer com que o Filho do Homem fizesse o que se esperava dele. O sujeito era indomável. Quando se esperava que ele curasse o paralítico que conseguíramos descer a muito custo pelo buraco no teto, ele perdoava os pecados do infeliz. Quando se esperava que ele despachasse a prostituta que veio embaraçá-lo num jantar oficial, ele fazia com que apenas ela se sentisse à vontade. Quando se esperava que ele curasse o leproso antes de tocá-lo impunemente, Jesus fazia o contrário. Quando Pedro oferecia num único gesto um elogio e uma boa intenção, Jesus chamava-o de Satanás. Quando vinham dizer que sua família estava aguardando lá fora, Jesus esclarecia que sua família já o estava seguindo aqui dentro. Quando se esperava um mínimo de respeito para com os religiosos, ele garantia que as prostitutas chegavam ao céu antes deles. Quando uma devota erguia seu embevecido louvor da multidão: “Feliz é a mulher que lhe deu a luz, e os seios que lhe amamentaram”, Jesus contradizia na cara dura.
NÃO HAVIA COMO FAZER COM QUE O FILHO DO HOMEM FIZESSE O QUE SE ESPERAVA DELE. 
Como um incômodo trickster galileu, um João Grilo dos sertões da Judéia, Jesus era compassivo quando esperava-se o seu furor, implacável quando estávamos certos de sua aprovação, atordoantemente sagaz quando tinha-se por certo que ele cairia na nossa armadilha. O rabi saía distribuindo provocações teológicas e morais, denunciando simplificações, desmascarando sem dó e em público.

Seus antagonistas armaram contra ele todo tipo de armadilhas teológicas, morais e políticas – Jesus se safava de todas e com brilho, com exuberância, com medidas iguais de sarcasmo e bom humor. Ele calava seus inimigos e zombava respeitosamente da efígie de César com uma moeda emprestada na mão; sem parar de escrever com o dedo na areia, salvava numa cajadada só a donzela em perigo e fazia com que seus acusadores admitissem que não estavam eles mesmos livres de pecado; quando duvidaram que houvesse boa teologia em sua afirmação de ser filho de Deus, demonstrou graciosamente pela Escritura que não somos todos outra coisa além de deuses – até o ponto em que, sensatamente, “ninguém ousou mais fazer-lhe qualquer pergunta”.

Gente que nunca tinha ouvido falar de Sócrates puxava conversa com o rabi e não saía com uma convicção ilesa. Ele desconstruía, transtornava, revirava raciocínios, julgamentos e condenações.

Ao velho Nicodemos ele explicou, nada explicando, que para ver o céu era preciso nascer de novo. Dos discípulos que o tinham como grande mestre ele lavou os pés, e ensinou-os que para ser o maioral é preciso ser escravo voluntário e eficaz de todos. Propôs a adultos perplexos e funcionais que para pôr o pé no reino das vantagens de Deus é preciso ser incompetente como uma criança. Disse a gente miserável que infelizes eram os ricos, e prometeu-lhes ainda mais miséria e uma vida proporcionalmente abundante. Em Samaria recusaram-se a conceder-lhe pouso, pela simples razão que ele rumava para Jerusalém; dias depois, à sombra do Templo, ele contava uma parábola em que o samaritano é o indiscutido herói.

Jesus era universalmente conhecido por não fazer e por não dizer o que se esperava dele, e penso que essa imprevisibilidade era de fato a marca mais contundente da sua postura pública. O paradoxo, naturalmente, está em que esta sua característica em particular é a que os cristãos menos tem se preocupado em incorporar ao longo do tempo.


Há cristãos que seguem o Primeiro Passo e demonstram uma saudável intolerância contra os religiosos; um número incrivelmente menor segue Jesus em ser inesperado como ele foi. Não há catecismo ou Escola Dominical que nos ensine a sermos desbocados, independentes, provocadores e desarmantes como Jesus.

Pelo contrário, os que se afirmam e se crêem cristãos nos nossos dias levam a marca quase universal de vaquinhas de presépio: formatados, inofensivos, dóceis e obtusos. Tudo que aparentemente temos a oferecer são respostas prontas, gestos decorados e a mais careta e reacionária das posturas. Somos um bando açucarado de beatos e carolas: uma assembléia de bocós, e não os subversivos que nossa vocação exigiria de nós.

E não é como se Jesus não tivesse deixado claro que esperava a mesma postura indomável e independente dos seus seguidores; pois deixou. Ele convidou os discípulos, em palavras e incessante exemplo, a que fossem “inocentes como pombas e astutos como as serpentes”. Infelizmente, aconteceu de cristãos de todas as épocas acreditarem que as duas coisas são incompatíveis. Alguns de nós, tenho de reconhecer, são inocentes como pombas, embora prefiramos em geral ser obtusos como asnos e mesquinhos como sanguessugas. Astutos como serpentes, estou para ver.

Isso porque a postura de contradição que Jesus aparentemente exibia não era gratuita nem arbitrária. Ele não contradizia por contradizer; não era do contra como um adolescente. Sua implacabilidade tinha um fundamento e um método.

Mas exigia ser astuto como uma serpente, e em determinado momento ele passou a exigir o mesmo dos seus discípulos. Não basta que a sua integridade exceda a dos fariseus, ele foi deixando claro; vocês tem também de ser mais espertos do que eles. Para ser imprevisível é preciso ser esperto; para enxergar a armadilha sendo montada é preciso tarimba; para evitá-la é preciso jogo de cintura; para desarmar o seu adversário pulicamente, sarcasmo e bom humor; para desmascarar o seu adversário diante dele mesmo, uma compassiva mas implacável inteligência verbal.
BASTA AO DISCIPULO SER COMO O MESTRE
Pureza de coração e sagacidade de espírito não são coisas que se veja andando juntas todo dia, mas eram o mínimo que esperava o rabi de um seguidor seu. Basta ao discípulo ser como o seu mestre.

Com o tempo, depois da partida de Jesus, os apóstolos foram miraculosamente incorporando essa contundente característica em suas posturas individuais. Foram se imbuíndo, por assim dizer, do espírito de Jesus, e acabaram tornando-se tão subversivos quanto ele. Pedro, João, Paulo, Estevão, Tiago e seus asseclas, de inofensivos ou pelegos que eram, tornaram-se absolutamente incômodos ao sistema. Os que não encontravam como argumentar com eles buscaram logo modos lícitos e ilícitos de silenciá-los. Finalmente Jesus estava sendo homenageado e seguido como convém, e para o mesmo destino.

Se você quer ser como Jesus, tem de ser mais esperto do que a maioria dos ursos. Não basta sair pelo mundo usando óculos cor-de-rosa e desovar um Deus te abençõe no colo de cada um.

É preciso ser implacável. Você tem de ser incômodo para todos os sistemas, inclusive para o seu (porque é evidente que os sistemas, mesmo os nominalmente seculares, são todos religiosos). Tem de abrir mão de respostas prontas e posturas estanques. Não pode mais ver a injustiça e ficar calado. Tem de pressentir a armadilha e desarmá-la. Tem de salvar o oprimido e ainda deixar o opressor numa posição publicamente e pessoalmente desconfortável. Tem de cobrir de aceitação os enjeitados e encher os certinhos de dúvidas. Tem de ser inocente como as pombas e astuto como as serpentes.

Tem de ser um herói.

Se queremos seguir Jesus para onde ele foi, o segundo passo é aprender a não fazer o que os outros esperam, e por uma boa razão.

Fonte: http://www.baciadasalmas.com/2006/2-faca-o-que-os-outros-nao-esperam/

TERCEIRO PASSO: Desfrute sem possuir - Por Paulo Brabo

 Os primeiros passos, embora imprevisíveis e portanto virtuosos, são essencialmente cosméticos e relativamente pouco exigentes. Tudo começa a se desequilibrar quando se fala em dinheiro, e Jesus demonstra não ignorar isso. Ele então fala em dinheiro o tempo todo.

Nisso está outro aparente paradoxo seu: o Filho do Homem, que ostentava aos quatro ventos não ter salário nem casa própria, usava descaradamente o dinheiro e as riquezas para desenhar suas imagens e comparações mais fortes. Por um lado, não há como ignorar que sua postura geral é consistentemente crítica à obsessão – não desconhecida na sua época, inescapável na nossa – pelo acúmulo de bens materiais; por outro, fica claro que Jesus não ignora que a riqueza é muitas vezes a metáfora mais adequada, verdadeiramente essencial, para o que ele está querendo dizer.

Jesus, o frugal, o maltrapilho, não hesita em comparar o reino de Deus ao tesouro enterrado em quem alguém tropeçou, ou à pérola valiosa que um colecionador vendeu tudo que tinha para adquirir. Ele alerta que o tesouro de um homem e seu coração ocupam o mesmo lugar ao mesmo tempo, e que vale por isso mais à pena investir num tesouro no céu, onde a riqueza é imune a desvalorização e à apropriação indébita. A recompensa do reino é comparada a denários na parábola de Mateus 20, o perdão a uma dívida quitada em Mateus 18, e as responsabilidades do reino a talentos de ouro em Mateus 25 – isso para não sair do primeiro evangelho.

Provocativamente, como em tudo que fazia, Jesus acaba propondo que a esfera de Deus e seu imponderável domínio podem ser adequadamente comparados àquilo que associamos de forma mais imediata ao valor, ao desejo e à satisfação – não o sexo, não o amor, não o poder, mas o dinheiro (em que estão contidos os anteriores). A vida encontrada em Deus é apenas comparável à moeda que foi recuperada, à rês valiosa que se reencontrou: o tesouro que por um lado vale todo investimento, por outro o requer.

Em suma, usando as imagens de seu oponente, Jesus defende que riqueza material é, estritamente falando, contradição em termos. A única verdadeira riqueza, e inexpugnável, é a do espírito. Ele, no entanto, está longe de propor um ascetismo em qualquer sentido rigoroso; está longe de propor a mortificação dos sentidos que muitos (sem motivo) associaram à sua postura. Ao mesmo tempo em que garante que não vale à pena correr atrás do material, ele convida-nos a desfrutar incessantemente dele: olhai os lírios do campo, qual pai daria ao filho uma pedra em vez de pão, estou resolvido a jantar na sua casa, aceite este sanduíche de peixe, reabasteça meu copo de vinho, fui outro dia a um banquete, mais feliz que o convidado só o anfitrião da festa. Como diagnosticou Wilhelm Reich, Jesus é um homem inteiramente mergulhado no mundo da satisfação dos sentidos, talvez mais do que qualquer outro – sem que isso prejudicasse a sua reputação de homem espiritual.

É um equilíbrio que nos parece paradoxal, mas Jesus no fim das contas está dizendo que o pobre e o frugal estão melhor equipados para desfrutar das boas coisas da vida – não em virtude de qualquer pureza inerente de coração, mas simplesmente porque a limitação da sua condição força-os a valorizar o momento, que é no fundo o que todos tem. “Por mais empenhado que esteja, qual de vocês consegue adicionar meio metro à sua estatura?”

Para o rabi de Nazaré ser rico e ganancioso não é conduta especialmente corrupta ou perversa – está mais para o imbecil. Porque, ele ousa argumentar, correr atrás do material impede-nos precisamente de desfrutá-lo. O mais rastaqüera lírio do campo ostenta guarda-roupa mais exuberante do que o de Salomão; os pássaros banqueteiam-se e empanturram-se com mais gosto do que Herodes. Um pão de queijo no pé da serra desbanca o mais irretocável Boeuf Bourguignon. Uma caminhada ao lado de quem se ama sobrepuja o interior vazio de uma Ferrari. Um pé descalço é mais feliz do que o calça Mr. Cat. E assim por diante.

Seguir esse insano passo de Jesus requer ao mesmo tempo um intransigente desapego às coisas materiais e um deleite imoderado em desfrutar do que o material existe para fornecer. Exige desfrutar sem possuir.


Não quer dizer abrir mão do trabalho ou do dinheiro, visto que Jesus indiscutidamente convivia sem problemas com ambas as coisas. Não quer dizer abrir mão dos prazeres da vida, já que neste mundo o prazer é coisa tão comum que para abrir mão dele seria necessário abrir mão da vida. Trata-se, aparentemente, de ser e permanecer uma presença subversiva numa cultura que glorifica a incessante busca pela aquisição e pela acumulação. Trata-se de demonstrar em atos revolucionários e postura silenciosa que uma bem-direcionada frugalidade supre com folga e, no fim das contas, desqualifica e esgota essa abundância ilusória.

Significa, certamente, abrir mão do que o dinheiro existe para epitomizar: a segurança e o poder. Deve ser por várias razões que corremos atrás de dinheiro, mas correndo atrás dele confessamos carecer desesperadamente da sua credencial. Para os autores do Novo Testamento a ganância é idolatria porque é essencialmente mentirosa – promete segurança e poder quando ambos são derramados sem qualquer critério ou pré-requisito por Deus. O mundo de Jesus é seguro não porque os meus cofres e celeiros estão cheios, mas porque Deus é Pai. A ganância é mentirosa porque promete embalar e entregar, a seu preço, aquilo que
Deus dá de graça no pacote básico da vida.

Viver como Jesus é certamente viver à margem do culto da performance. Alguns lírios talvez sejam mais bonitos do que os outros, mas a sua beleza essencial está em serem, não em estarem. Alguns pardais talvez cantem melhor do que os outros, mas nenhum é em última instância mais feliz porque canta melhor – e Deus sabe quando cai cada um, indiscriminadamente. Isto é, nosso valor não está em acumular, em desempenhar ou em possuir, mas em desfrutar, que é ser.

Viver assim não é também cultivar o ócio, mas é certamente não abrir mão da tranqüilidade e do autogoverno.

Não é por certo condenar os ricos ou evitá-los; tampouco é condenar a riqueza ou evitá-la. É por certo duvidar das promessas dos dois.

Para seguir os passos de Jesus é preciso abraçar o assombroso paradoxo de desfrutar sem possuir. O Apóstolo intuiu acertadamente essas coisas, e falou que devem ser “os que choram, como se não chorassem; os que se alegram como se não se alegrassem; os que compram como se nada possuíssem; os que se utilizam do mundo, como se dele não usassem; porque a aparência deste mundo passa”. Para ser como Jesus é preciso não viver para a riqueza e, ao mesmo tempo, não ignorar o seu poder de metáfora. É preciso não dobrar-se a Mamom, mas fazer uso descarado das riquezas a fim de fazer verdadeiros amigos (Lucas 16:9). É preciso usar o dinheiro sem ser usado por ele; extrair gozo do material sem ser desfigurado por ele. É preciso ser generoso como Deus, pobre como Jesus. Dar a César a ninharia que é de César, receber de Deus a abundância que é de Deus.

Fonte: http://www.baciadasalmas.com/2006/terceiro-passo-desfrute-sem-possuir/

QUARTO PASSO: Viva inteiramente inserido em seu mundo - Por Paulo Brabo

Se há algo que ensinam os mitos de todas as culturas é que a familiaridade é inimiga do crescimento. A jornada do herói começa quando ele se desenraiza – quando deixa o conforto do aldeia feliz e entra na insegurança da floresta escura. É por crermos instintivamente nisso que aqueles de nós que anseiam por tornar-se santos e heróis começamos pelo passo que nos parece ser o mais coerente: o afastamento do mundo. Sabemos que “santo” quer dizer “singular, separado”, e essa explicação traz em si sua própria meta e destino: por definição, o santo não pode ter nada a ver com o mundo.

Mas nada é tão simples, e está aí Jesus que não me deixa mentir.

Diversas tramas acotovelam-se pela primazia na narrativa dos evangelhos, mas há uma em particular – talvez a central – cujo tema é tão formidavelmente revolucionário que a lição toda tende a passar despercebida a olhos beatos como os nossos. Para abraçar o quarto passo na direção de Jesus é preciso elucidar o mecanismo dessa negligência histórica.

Do ponto de vista dramático, Mateus, Marcos e Lucas esforçam-se para deixar claro que o antagonista de Jesus na narrativa dos evangelhos não é – ao contrário do que somos tentados às vezes a pensar – Judas, o traidor. “Antagonista” é aquele que se contrapõe, aquele que se coloca no caminho e exerce verdadeira influência, e a traição de Judas não chega a deixar uma marca no verniz da autonomia de Jesus. Pela mesma razão, o antagonista de Jesus não está entre adversários que não chegam a tocá-lo (e muito menos derrubá-lo) – figurantes como Pilatos, os fariseus, os sacerdotes ou mesmo Satanás.

Nos evangelhos, o antagonista de Jesus é João Batista. De todos que em algum momento da história se opõem a Jesus ele é o único que representa verdadeira autoridade; de todos que se atiram no caminho de Jesus querendo exercer sobre ele alguma influência, é apenas João Batista que, em seu recato, chega a corresponder – contrapor-se – a ele.

Desde o momento em que o bebê salta no ventre de Isabel diante da chegada de Maria, o relacionamento de Jesus com João é prenhe de tensão dramática. João, por um lado, parece não chegar a entender a peculiaridade do primo. Ele pode ter visto a pomba do Espírito descendo sobre Jesus no Jordão, mas anos depois a conduta do cordeiro de Deus lhe parece equívoca o bastante para que ele mande perguntar, da prisão onde está, se Jesus era “mesmo aquele que estávamos esperando, ou se devemos esperar por outro”.

Jesus, por outro lado, que dispensava implacáveis sarcasmo e condenação sobre religiosos de todas as índoles, nada parecia encontrar para condenar na vida religiosa de João. Pelo contrário; da sua boca, quando ele fala sobre João Batista, só partem elogios: João é o maior de todos profetas; não é um caniço que se deixa dobrar pela tentação; homem mais notável jamais foi concebido.

Esse homem terrível que Jesus respeita é seu antagonista, porque de todos os personagens do evangelho João Batista é o único que apresenta e representa uma verdadeira alternativa ao estilo de vida que Jesus está propondo. João é o último habitante legítimo de um mundo que Jesus veio abolir, e a inevitabilidade desse curso acaba separando-os, a despeito do carinho evidente que têm um pelo outro.
JOÃO BATISTA É O OUTSIDER.
Embora tenham angariado quase que simultaneamente a reputação de homens de Deus, os detalhes da narrativa parecem servir apenas para salientar a intransponível distância entre as posturas de Jesus e de João. João Batista vive nas margens: é o asceta, o outsider, o homem que se afasta deliberadamente do mundo e enxerga esse afastamento como a porção mais essencial da sua missão. Ele é “a voz que clama no deserto” – deserto onde não há ninguém e onde por isso ninguém pode ouvir, a não ser quem repete o trajeto, afastando-se do mundo para ouvir da mesma forma que João afastou-se para falar.

João Batista veste seu afastamento visivelmente, causando no homem comum a mesma exasperação que deveria causar o toque grosseiro do pêlo de camelo. A credencial da sua singularidade está nos detalhes violentos dessa frugalidade: João não bebe, não aceita convites, não freqüenta pecadores; não come frescuras como pão e vinho (recomendando como alternativa sua dieta de gafanhotos e mel silvestre), evita todos os excessos e jamais é visto na cidade. Para encontrá-lo é preciso ir ao encontro dele na aridez onde nenhum traço de humanidade pode sobreviver.

É em contraste absoluto com essa figura que os evangelistas introduzem um novo personagem. Está aqui, propõem eles, um herói que representa abordagem oposta à do ascetismo de João. E é gloriosamente que Jesus caminha pela terra desmoronando a cada passo as seguranças desse modo de vida cauteloso, o paradigma de santidade tradicional personificado por João.

Jesus é o inserido, o sociável, o homem plenamente entranhado na sociedade, decisivamente acessível e presente. Ele não apenas recusa o afastamento do mundo proposto na postura de João, mas assume descaradamente a direção oposta. Sem nenhum verdadeiro precedente na história sagrada de Israel, aqui está um homem que adquire a fama de santo e homem de Deus convivendo com o homem comum e com gente que até mesmo o homem comum tem dificuldade para engolir.

Em perfeita oposição a João, Jesus deixa claro que é sua proximidade do mundo, seu “não-afastamento”, a porção mais essencial da sua missão. Ele vence a tentação do deserto e segue percorrendo incessantemente as cidades, onde pode estar com as pessoas e submetê-las à sua mensagem, que é essencialmente sua própria pessoa.
JESUS É O INSERIDO.
E não há virtualmente ninguém a quem ele recuse a sua proximidade: religiosos e pecadores, fariseus, sacerdotes e prostitutas; romanos, samaritanos, judeus e fenícios; ricos, pobres, fazendeiros, agiotas, lavradores, coletores de impostos; militares, pescadores, revolucionários, leprosos, cegos, aleijados, loucos, possessos, homens e mulheres. Jesus vive entre essa gente, causando tumulto em cada cidade e pressionado de todos os lados por suadas e mutantes multidões. Ele se veste como todo mundo, aceita convites para festas de casamento e freqüenta banquetes (angariando entre seus detratores a fama de glutão e beberrão). Jesus congraça com pervertidos, bêbados, adúlteros, tratantes e prostitutas, e seu primeiro milagre é fornecer bebida para animar uma festa que ameaçava perder o pique.

Para encontrá-lo é preciso apenas estar fazendo o que você faz sempre: é ele que virá inevitavelmente ao seu encontro, quer você seja um cego esperando uma esmola na beira do caminho, um agiota caminhando desiludido para seu posto de coleta, uma mulher andando em direção ao poço para puxar água. Você pode não saber com quem está falando, mas ele já está todinho ali, na sua cidade, no seu círculo, na sua cultura. Nada na aparência dele ou na sua conduta parece ostentar ou garantir a santidade que os religiosos anunciam como uma trombeta. Se esse é sujeito é um profeta e um santo, trata-se do primeiro da espécie que não lhe parece ser essencialmente diferente de você. Ele irá invariavelmente aceitar o seu convite para sair, para jantar, para ir à sua casa, para conhecer uns amigos, para visitar um doente, para beber uma jarra de vinho.

Esse homem, definido por esse estilo de vida, é que os cristãos adotaram oficialmente como professor, profeta, messias, salvador e Filho de Deus. Extra-oficialmente, adotamos o estilo de vida de João Batista.


João é o homem que se afasta do mundo para não deixar-se contaminar por ele. Jesus é o homem inteiramente inserido no mundo, inteiramente mergulhado nas complicações do dia-a-dia e nas preocupações e privilégios do homem comum.

Dos incontáveis paradoxos do cristianismo histórico, esse é mais um: historicamente, os cristãos ignoraram o exemplo de Cristo e tornaram-se seguidores funcionais de João. O caminho de João Batista é o caminho dos monges do deserto, das ordens religiosas, das rádios evangélicas; é o caminho do ascetismo, das regras estabelecidas para “fazermos diferença”; das abstenções, do recuo, do afastamento, da irrelevância, da exclusão e do preconceito.

O caminho de Jesus é o da inclusão, da presença, do abraço irrefletido e incondicional do mundo. É o caminho estreito que poucos trilham, a porta exigente pela qual poucos passam.

Sempre que cedemos à tentação de trocar a confusão transpirante do mundo pelo conforto harmonioso e acolhedor de uma comunidade cristã; sempre que aceitamos o abraço exclusivo de uma subcultura de qualquer estirpe em detrimento da cultura no seu sentido mais amplo; sempre que dividimos nossa experiência entre uma esfera religiosa e uma profana que não chegam a se tocar; sempre que nos recusamos a consentir qualquer associação com música “do mundo”, filmes “do mundo” e pessoas “do mundo”; sempre que negamos nossa presença, nossa companhia e nossa lealdade a gente que em seu estado atual não julgamos merecê-las; sempre que reservamos nossas noites, nossos feriados e nossos fins-de-semana para o convívio com pessoas cuja postura religiosa as torna inerentemente distinta da massa dos mortais – estamos (para citar uma música do mundo) escolhendo errado nosso super-herói.
O QUE MAIS ME DÓI: VOCÊ ESCOLHEU ERRADO SEU SUPER-HERÓI.
Era o caminho inclusivo de Jesus que deveríamos estar seguindo – e num mundo ideal eu não deveria ter de estar explicando isso, especialmente a mim mesmo.

Para seguir os passos de Jesus é preciso viver inteiramente inserido no mundo. Qualquer avanço bem-intencionado na direção de um afastamento, como bem intuiu Simone Weil, implica na condenação tácita, divisiva e necessariamente devastadora dos “de fora”. Para seguir os passos de Jesus é preciso abrir mão do ascetismo de João Batista e correr o risco de ser tachado de bêbado, o risco de ser visto no boteco da esquina com maloqueiros e mulheres de má fama.

Jesus propõe, inconcebivelmente, uma espécie de santidade que não é definida pela exclusão, mas pela generosidade e pela liberalidade da presença. É dele a horrenda idéia original de distribuir abraços gratuitos – gratuitos no sentido de serem dados a quem, essencialmente, não os merece. Essa sua ousadia derruba para sempre a primazia da surrada “santidade da distância” representada por João Batista. Jesus demonstra, em seu modo de vida, que um caminho superior ao de achar-se melhor do que os outros pela exclusão é amar os outros pela inclusão.

Curiosamente, João Batista e Jesus começaram pregando uma mesma mensagem, “o Reino de Deus está próximo” – o Reino de Deus veio para perto de vocês, – mas é apenas com a escandalosa conduta inclusiva de Jesus que essa insólita proposição ganha verdadeiro peso. Quando é informado a respeito da morte de João Batista (decapitado pela espada de Herodes Antipas), Jesus não chora apenas a perda de um amigo, mas a morte de uma alternativa ideológica que Deus jamais voltaria a aprovar. A devoção como afastamento do mundo havia sido substituída pela santidade como presença no mundo. É por essa excelente razão que para Jesus, embora homem mais notável que João Batista este mundo não tenha concebido, “o menor” na nova ordem do reino de Deus “é maior do que João”.

Uma das mais terríveis revelações que Jesus fez aos seus discípulos é que eles deveriam viver neste mundo como ele viveu. “Da mesma forma que meu Pai me enviou eu envio vocês”, ele disse, e estamos apenas começando a entender as implicações dessa sentença. Uma coisa no entanto parece certa: para o seguidor de Jesus, a verdadeira jornada começa quando ele abandona o conforto da aldeia religiosa e põe o pé na floresta escura, conturbada e indiferenciada do mundo. A santidade do senso comum exige que abandonemos a experiência ordinária do homem sem pretensões em favor da singularidade da vida religiosa. O exemplo e as palavras do Filho do Homem nos convidam, assombrosamente, a fazermos o trajeto oposto.

Fonte: http://www.baciadasalmas.com/2006/quarto-passo-viva-inteiramente-inserido-no-seu-mundo/

QUINTO PASSO: Permaneça disponível para o momento - Por Paulo Brabo

De tudo que eu planejava escrever neste panfleto sobre o caráter de Jesus, este passo em particular foi para mim o mais difícil de articular; foi e permanece a idéia mais difícil de capturar em palavras. Ao mesmo tempo, para os observadores da sua época esta característica do Filho do Homem deve ter parecido a menos particularmente notável, já que é a materialização de uma tendência presente em um grau ou outro em toda a história anterior (e posterior) do povo judeu.

Ao contrário de nós, que costumamos procurar a divindade em idéias, lugares e coisas, os judeus estavam treinados a rastrear Deus na face fluida e imponderável do tempo. Tinham uma visão totalmente distinta da sua relação pessoal com a passagem do tempo e, por conseguinte, da singularidade do momento. Emblema poderoso dessa visão é o sábado judaico, o shabat, que representa uma completa reversão nas nossas expectativas convencionais sobre santidade: o shabat é demonstração de que para Deus existem menos lugares santos do que momentos1 santos.

Permeados por essa convicção, que transpira de todos os poros da Bíblia Hebraica, os judeus estavam muito mais naturalmente preparados do que nós para valorizar a santidade – ou seja, a singularidade – de cada momento do tempo.

Alguém pode objetar que estamos no ocidente contemporâneo igualmente treinados a apreciar o caráter único do instante presente. Como ignorar a onipresente mitologia cujas divisas são “valorizar o momento”, “carpe diem” e o pseudo-borgiano “a vida é composta apenas de instantes”? Nossa obsessão por “viver intensamente” não será testemunho de um respeito semelhante pelo momento e pela passagem do tempo?

Não.

Nosso modo de idolatrar o instante é virtualmente oposto ao prevalente na visão de mundo judaico/bíblica, porque enxergamos o momento, essencialmente, como oportunidade para fazermos alguma coisa. “Viver intensamente” é aplicar o momento na atividade que produza emoções mais intensas e um mais acentuado sentimento de auto-realização; é “aproveitar” o tempo no sentido de extrair dele o máximo retorno. No credo do Carpe Diem, bem-aventurado é quem angaria no mais curto período a maior carteira de lembranças preciosas. Você já fez um cruzeiro pelo Caribe? Confere. Fez pós-graduação e mestrado? Confere. Já teve uma árvore e plantou um filho? Confere. Foi a um show de Antony and the Johnsons/Zeca Pagodinho/André Rieu/Lagoinha? Confere. Já passou o final de ano no Club Mediterranée? Quê? Não? Você ainda não viveu, cara – e não vai aparentemente chegar a viver a não ser que tenha o rosário de lembranças corretas para ostentar.

Lembro meu amigo inglês Julian Crouch contando de uma visita que fez a um parque europeu da Disney a fim de avaliar o convite que havia recebido para fazer um trabalho avulso para eles (ele recusou). O Julian vê com simpatia alguns desenhos da Disney, mas tem absoluta aversão ao monstro de marketing e merchandising construído ao redor eles, especialmente no que diz respeito aos parques de diversão. Disse-me o Julian que jamais vai esquecer o doentio esgar estampado no rosto dos pais que arrastavam os filhos de uma atração a outra do parque. Aos olhos do Julian, pareciam todos completamente esmagados pela terrível obrigação de se divertirem e angariarem “lembranças preciosas ao lado dos filhos©”.
Procuravam preencher cada mílimetro quadrado de tempo com instantes a que pudessem recorrer mais tarde a fim de cobrir mentalmente o investimento que haviam feito na viagem e no ingresso. Enxergando por trás da pregação oficial de “diversão e quality time”, o Julian via apenas horror e escravidão.

Temos na vida real essa mesma visão utilitarista do tempo, a mesma obsessão por empregá-lo de forma produtiva ou compensadora. Essa forma ocidental de encarar a passagem do tempo é ao mesmo tempo neurotizante, envelhecedora e incutidora de culpa; é na verdade, um esforço incessante no sentido de não termos em momento algum de encarar a passagem do tempo de frente. Evitamos olhar o rosto vazio do tempo preenchendo-o de atividades ou, ainda mais comumente, concentrando nossa atenção em outra coisa que poderíamos ou deveríamos estar fazendo naquele dado momento.
JESUS DESCONHECIA NOSSA SÍNDROME DE SALVADOR DO MUNDO.
É a obsessão que faz com que você sinta estar perdendo tempo trancado no escritório, quando poderia estar lagarteando na praia; faz com que se sinta culpado por estar lagarteando na praia, quando há tanta coisa para fazer em casa; faz você sentir que está perdendo tempo fazendo o serviço da casa, quando há aquele bom livro para ler; faz você sentir-se mal por estar lendo o livro, quando poderia estar aproveitando a companhia dos filhos; faz você sentir-se mal por estar gastando tempo com os filhos, quando tem a monografia para terminar; faz você sentir-se mal por ver-se obrigado a escrever a monografia, quando poderia estar vivendo!

Bem analisada, essa nossa obsessão bipolar entre a produtividade e a satisfação imediata está baseada em dois pressupostos inteiramente alheios à mentalidade do judaísmo – e portanto alheios à mentalidade de Jesus. Está, em primeiro lugar, fundamentada na crença de que é tempo perdido todo o tempo que você não gasta fazendo o que gostaria de estar fazendo. Esta crença, por sua vez, é apenas um aperfeiçoamento mais recente da crença mecanicista – e eminentemente capitalista – de que é tempo perdido todo o tempo que você gasta não fazendo alguma coisa.

O modo judaico de enxergar o valor do tempo é oposto, e o maior exemplo da diferença está no próprio shabat, um dia inteiro da semana cuja pauta declarada consiste em nada fazer – nada nada, mesmo que a coisa que nos sintamos tentados a fazer seja ou pareça ser em favor do próprio Deus. Deus, para o judaísmo, é encontrado no não-esforço, no ínterim, na cessação. Deus não está na atividade, mas na pausa; não no programa, mas no intervalo; não no preenchimento obsessivo do tempo, mas na sua contemplação: no degustar do momento puro e sem gelo, sem ornamentos ou artifícios.

* * *
Nas minhas anotações para este panfleto este quinto passo permaneceu por muito tempo como “permaneça inteiramente disponível para os outros”; foi só mais tarde que consegui articulá-lo de forma diferente, como “permaneça disponível para o momento”. Embora eu ainda pense que este passo diga essencialmente respeito à nossa relação com o Outro, creio que sob esta última forma o conceito está mais fiel à mentalidade e à prática de Jesus.

Porque, indubitavelmente, Jesus estava incessamente disponível para o momento, não importava o que o momento representasse. Ele estava sempre ali, no preciso vértice do agora na geometria do tempo; não vivia como nós com a mente e o coração em outro ponto arbitrário do passado ou do futuro, pensando naquilo que fizemos, no que deveríamos estar fazendo ou no que gostaríamos de ainda fazer.

O resultado mais visível dessa sua postura, sem qualquer dúvida, está em que Jesus permanecia indistintamente disponível para quem quer que estivesse com ele em cada dado instante. A despeito da singularidade de seus poderes e da pureza de suas intenções, Jesus não nutria ilusões de ser capaz de estar com todos ao mesmo tempo; por outro lado, fazia questão de estar de corpo e alma presentes para quem acontecia de estar próximo dele. A mulher que aparecia casualmente no poço enquanto os discípulos iam à cidade buscar comida, o fariseu que lhe oferecia um jantar, o leproso clamando por ajuda, o conhecido que o convidara para uma festa de casamento, o espião enviado para pegá-lo numa armadilha, o paralítico descendo em sua maca do buraco do teto, o membro do Sinédrio que vinha consultá-lo na calada da noite: Jesus estava inteiramente disponível para cada um desses momentos, e portanto disposto a ser integralmente ele mesmo e estar integralmente com cada uma dessas pessoas.

Nós, em contraste, costumamos nos reservar para determinados momentos e para determinadas pessoas. Não nos disponibilizamos, de modo geral, com toda essa libelaridade. Temos, para usar nosso vocabulário (nossa mitologia), prioridades. O palestrante não vai dedicar ao ascensorista o mesmo grau de atenção que vai dedicar aos organizadores da conferência; ele na verdade não vai estar disponível para aquele momento no elevador, porque sua mente estará imersa no conteúdo da palestra e nas pequenas coisas que precisa decidir entre hoje e amanhã.
JESUS NÃO PERDIA O MOMENTO DE VISTA, PORQUE NÃO QUERIA PERDER DEUS DE VISTA.
Alguém vem me fazer uma confidência ou pedir ajuda e fico assentindo com a cabeça, fazendo de conta que estou ouvindo, enquanto minha mente vagueia cafajestemente por outras coisas que quero e planejo fazer, por pessoas com quem gostaria de estar ou planejo rever, por idéias e projetos a que quero dar forma. Não estou disponível para aquele momento, e não preciso que ninguém saiba; como resultado, não estou de forma alguma disponível para a pessoa que está comigo – pessoa que, por sua vez, talvez não esteja disponível para mim nem mesmo enquanto crê que está confidenciando comigo. A farsa mútua, se tudo der certo, nos poupará de maiores constrangimentos. É mais fácil para nós dois manipular distraídamente o marionete e concentrar a atenção em outro momento passado ou possível; mais fácil do que fazer como Jesus e investir incessantemente no presente e em suas cambiantes demandas – especialmente quando essas demandas envolvem fatores tão exigentes e cambiantes quanto pessoas.

Para evitar essa barra, vivemos eternamente entediados e distanciados do momento, esmagados pela claríssima convicção de que poderíamos estar fazendo algo mais legal, mais bem-remunerado ou mais útil para o bem da humanidade. Vivemos, pela mesmíssima razão, eternamente distantes de Deus e das pessoas.

Jesus desconhecia nossa ambição por divertimento e por dinheiro; desconhecia também – o que é muitas vezes mais curioso – nossa síndrome de salvador do mundo. Ele fazia o que fazia, aquilo que o momento exigia, e não aquilo que queria ou achava que devia fazer. Fora morrer, o Filho do Homem não tinha plano algum: nenhuma agenda, nenhum prazo e nenhum cronograma; nenhum relatório, nenhuma reunião periódica de avaliação de resultados, férias nenhumas. Ele deixava que o momento fluísse e exigisse implacavelmente a sua pauta. “Basta a cada dia o seu mal” era para Jesus apenas outro modo de dizer “não vos preocupeis com o dia de amanhã”. Ele não perdia o momento de vista, pela excelente razão de que não queria perder Deus de vista.


1 Para mais sobre o shabat e a singular visão judaica da relação de Deus com o tempo, veja as notas da minha recente palestra sobre teologia narrativa. 

Fonte: http://www.baciadasalmas.com/2007/quinto-passo-permaneca-disponivel-para-o-momento/

SEXTO PASSO: Sensualize sua espiritualidade - Por Paulo Brabo

Sensualizar.
Tornar(-se) sensual.
Sensual.
Relativo aos sentidos ou aos órgãos dos sentidos.

Os últimos serão os primeiros.

Os cinco primeiros passos que examinamos neste panfleto estão inevitavelmente maculados por intelectualização. Quero dizer com isso várias coisas.

Em primeiro lugar, que a pessoa que se deparava com Jesus nos seus dias “mortais” não era impactada de qualquer modo direto ou natural pelo teor desses passos. São necessários observação e algum treinamento intelectual para abstrair-se a partir do que sabemos do comportamento de Jesus fórmulas gerais como “faça o que os outros não esperam” (segundo passo) e “viva inteiramente inserido no seu mundo” (quarto passo). E Jesus, como se sabe, impactou de forma transformadora gente que teve muito pouco tanto de uma coisa quanto de outra: pessoas pouco instruídas e pouco armadas de recursos intelectuais, muitas das quais estiveram com ele por pouco mais do que alguns minutos.

Não ocorreria aos que seguiam Jesus de um vilarejo a outro articular a postura dele com o vocabulário intelectual que temos adotado: era afinal de contas muito visível que o próprio Jesus não o fazia. Ao contrário dos gnósticos que apropriaram-se do seu nome nos anos que se seguiram, Jesus recusava-se a ensinar que a salvação estivesse relacionada a algum conhecimento específico sobre o mecanismo de Deus, do universo ou mesmo da salvação. Na verdade, parte essencial da originalidade do pensamento do Filho do Homem está na sua ênfase de que não há qualquer mérito no conhecimento intelectual, e que o acesso ao favor de Deus não depende de modo algum dele.

Concluo que, qualquer que seja o esquivo cerne da mensagem do Filho do Homem, seria heresia pensar ou sugerir que esteja em alguma dos pontos que temos discutido. Os “passos” que analisamos até aqui são abstrações, meras tentativas intelectuais de representar a realidade. Por mais radicais e originais que pareçam, são uma forma de teologia e por essa razão necessariamente limitados, contendo em si mesmos a semente de sua contradição.

Jesus, ao contrário de nós, jamais cedeu às tentações da teologia, do método, da exposição linear. Não só isso (o que parecerá para alguns ainda mais singular): ele recusava-se a credenciar até mesmo o discipulado da forma como o concebemos, tendo dito mais vezes “vá para a sua casa” do que “venha me seguir”.

Onde então se escondia o cerne mais essencial do método e da missão do andarilho de Nazaré? De que forma Jesus tocou gente que não tinha tempo ou bagagem para saber interpretar o que ele estava dizendo?

A resposta acabo de dar. Jesus tocou gente.

Para seguirmos o que penso ser o traço mais singular e essencial do caráter do Deus dos evangelhos é preciso que aprendamos a sensualizar a nossa espiritualidade. É preciso que passemos a procurar a espiritualidade no mundo sensorial, no mundo real, o mundo da experiência e dos sentidos. É preciso que passemos a ver nosso relacionamento com Deus e nossa participação no seu Reino como algo que diz respeito ao que é palpável e material, ao mundo da pele, da carne e do sangue.

Vivemos como cristãos esmagados por uma obsessão espiritualizante. Lemos a Bíblia, mas mantemos os olhos fechados para a revelação a que as narrativas dos evangelhos parecem dar maior ênfase – que, incrivelmente, inquietantemente. Jesus exercia (e portanto enxergava) a sua espiritualidade na esfera do toque, da visão, da companhia, da presença, do sabor, da voz, dos elementos, da comida, da natureza, do abraço.

A nota central dos evangelhos está em que Deus fez-se, assombrosamente, carne. Submeteu-se voluntariamente ao sangue, ao envelhecimento, ao suor, à bílis, aos gases, à urina, ao sêmen, à saliva, às fezes. Submeteu-se ao hálito de outros, ao toque de estranhos, ao abraço de amigos, ao açoite de antagonistas.

Deus fez-se carne. Em absoluto contraste com ele, tudo que fazemos como cristãos, tudo com que nos ocupamos e rotulamos de espiritualidade, é para disfarçar a carne que somos. Jesus aprendeu a viver na carne e mostrou notável desenvoltura dentro dela; em contraste com ele, sentimos que a carne nos incomoda, nos constrange, nos envergonha.

A carne é embaraçosa. O fato de vivermos constantemente sujeitos à doença, à fome, à dor, à solidão, à decrepitude, ao ciclo digestivo, à morte e outras vergonhas inerentes à nossa condição pode produzir em nós uma implacável ojeriza contra a carne. Nosso escape para esse fastio, somos levados comumente a crer, está na espiritualidade convencional – espiritualidade que é forjada para demonizar o corpo e seus embaraços e pregar que Deus só pode ser experimentado nas esferas supostamente superiores da mente, do escape da realidade, dos olhos fechados, da privação dos sentidos.

De fato cremos que o momento espiritual acontece enquanto o orgão está tocando; a pizza que virá depois não é espiritual. Orar antes de dormir é espiritual, levar o lixo para fora não. O côro de anjos é espiritual, a roda de samba não. Dar o dízimo é espiritual, oferecer a alguém um chiclete não. Ler a Bíblia para o velho cego é espiritual, dar-lhe banho não. A vida devocional dos namorados é espiritual, seu beijo não.

Jesus, estou crendo, apostaria no contrário em cada um desses casos. Estou cada vez mais convencido, com Jacques Ellul, que a revolução espiritual é mais material, mais palpável em seu caráter do que qualquer outra.

Jesus não ignorava os embaraços da doença, da fome, da dor, da solidão, da decrepitude, da morte, do ciclo digestivo; muitos desses atingiram-no em cheio na própria carne. Ao contrário de nós, no entanto, Jesus não buscava refúgio dessas coisas num mundo dos espíritos à prova de constrangimentos. Ele não caía na tentação da espiritualidade convencional e isso, aparentemente, é o que mais teimamos em não aprender com ele.

Jesus fazia o trajeto precisamente contrário ao nosso, avançando com galhardia em direção à experiência dos sentidos, tendo dedicado a maior parte de sua atividade neste mundo ao esforço de minimizar os constrangimentos produzidos em pessoas de carne pela fome, pela doença, pela dor, pela decrepitude, pela solidão.

JESUS TRATAVA PRIMORDIALMENTE COM CORPOS, NÃO COM ESPÍRITOS

No que pode nos parecer escandaloso, Jesus deixava claramente a impressão de que estava tratando primordialmente com corpos, não com espíritos. Ele tinha histórias para contar, verdades a ensinar e revelações espetaculares para fazer, mas seu dia-a-dia e sua agenda permaneciam entranhados no domínio do corpo e da experiência dos sentidos – de pessoas que precisavam de cura, de pessoas que precisavam de comida, de pessoas que precisavam andar, de pessoas que precisavam de sexo, de pessoas que precisavam de visão, de pessoas que precisavam de companhia, de pessoas que precisavam de trabalho, de pessoas que precisavam de dinheiro, de pessoas que não queriam morrer.

O Filho do Homem não apenas recusou o ascetismo de João Batista, ele ensinou da maneira mais espetacular que Deus é encontrado e vivido no reino das pequenas coisas, no domínio vulgar da carne e dos sentidos. O Deus encarnado era um homem que bebia vinho, que assava peixe, que colhia figos, que tocava leprosos, que cuspia na terra e fazia lodo, que colocava a mão no prato de molho, que pedia água, que deixava uma mulher massagear-lhe os pés, que deixava um homem recostar-se no seu peito, que sentia medo e dor e sangrava e podia morrer.

Nossa satânica fantasia como cristãos é passarmos pelo mundo à margem de todas essas coisas, desencarnados como fantasmas, vivendo momentos de espiritualidade em número suficiente para redimir os constrangimentos que nos impingem o corpo e os sentidos. Não queremos de modo algum enfrentar o terrível embaraço de que somos feitos de carne e osso.

Tentamos a todo custo escapar daquilo que a Bíblia não esconde em página alguma: que a carne é essencialmente animal. Preferiríamos não ter admitir, avançados que somos na comunhão divina e na experiência do Espírito, que não somos menos animais do que uma barata, um lêmure ou uma sucuri.

“O Verbo se fez carne” traduz-se por “Deus fez-se animal”; nós, se tivéssemos escolha, apagaríamos por completo a porção corpo/carne/sentidos da nossa experiência. Sentimos que se isso acontecesse estaríamos finalmente livres para desfrutar da espiritualidade plena. Adiamos a nossa espiritualidade definitiva para quando acontecer.

* * *

Esta hesitação em abraçar a carne é, naturalmente, antiga na história do impacto da persuasão de Jesus sobre as pessoas. A carne de Jesus representou grave escândalo tanto para judeus quanto para gregos, as duas grandes facções do mundo atingidas pela boa nova no tempo dos primeiros cristãos.

Para os romanos, devidamente adestrados pelos gregos, o escândalo essencial da boa nova de Jesus não era a divindade ter morrido na cruz a fim de resgatar a alma. Deuses que encarnavam e expiações tendo em vista a redenção do espírito eram lugar-comum nas religiões de mistério muito antes do cristianismo entrar em cena. O escândalo não era, tampouco, o espírito de Jesus ter sobrevivido gloriosamente à morte. Sócrates, via Platão, já havia se desdobrado para demonstrar por A + B que a alma humana é eterna e impermeável à morte.

O impensável, para gregos e romanos, estava no fato do corpo de Deus ter sido redimido: o fato de Jesus ter adentrado a glória em forma corpórea, prometendo o mesmo destino aos seus seguidores.

Na visão de mundo greco-romana o espírito era uma chama imortal desgraçadamente presa dentro de um vaso mortal. Para os gregos, o espírito era puro e inefável, o corpo impuro e irredimível; o espírito era bem-intencionado e puxava o homem para o alto, o corpo era corrupto e puxava o homem para baixo; o espírito era por definição indestrutível, e o destino mais honroso a que a carne podia aspirar era a dissolução.

Imbuídos dessa convicção, os atenienses ouviram muito interessados o discurso do Apóstolo no Areópago, até que Paulo mencionou a ressurreição do corpo – ponto em que perceberam que a doutrina daquele sujeito não merecia mais do que zombaria e desprezo. Aqueles esclarecidos atenienses, mais ou menos como nós, não criam que houvesse no corpo e na carne qualquer coisa com vocação à redenção ou à eternidade.

Já para os judeus, que viam a carne como obra de Deus e criam na redenção futura do corpo e da criação, o escândalo estava em ver Deus confinado aos limites da sua própria obra – como um dramaturgo que condescende em descer ao palco, um pintor que rebaixa-se voluntariamente a pincelada. O que era ainda pior: esse homem que sugeria ser a encarnação de Deus repudiava o ascetismo (popularmente associado à espiritualidade) e abraçava o mundo dos sentidos com exuberância, com paixão, com vertiginoso ardor. Atracava-se a gente, consertava corpos, alimentava estômagos, lavava pés, beijava seus amados, tremia de tensão e de exaustão, não recuava diante da mais constrangedora e sensorial manifestação de afeto. Que Deus se rebaixasse a homem já era bastante ruim; que o homem-Deus se refestelasse na carne – que afirmasse a carne ao invés de negá-la, era afronta terrível.

Dois mil anos depois cá estamos nós, nem judeus nem gregos mas algo infinitamente menos acabado, aspirando petulantemente a seguir os passos empoeirados do Filho do Homem – o impensável “Deus conosco”, o encarnado, o Deus que assumiu “condição de homem”.

E que fazemos? Com recato estúpido, pecaminoso e contraproducente negamos hoje a carne de Jesus e a nossa. Os mesmos cristãos que recusam-se a admitir a possibilidade de descenderem do macaco não trazem à mente que Deus em Jesus conformou-se, disparatadamente, à condição de primata.

Queremos que as pessoas “conheçam Jesus” através da assimilação intelectual do nosso discurso, e nunca pelo intercâmbio de caminhadas e pelo choque custoso entre corpos. Não queremos de modo algum traficar com a carne, porque não queremos que Deus trafique através dela. Esquecemos, miseravelmente, que a natureza divina de Jesus não estava escondida na sua carne. Estava manifesta nela.

Essa nossa infantil negação da carne nos torna, entre outras coisas, companhia insuportável para todos ao nosso redor, e ainda para nós mesmos. Vivemos como se a espiritualidade (como se a verdadeira vida!) fosse terreno exclusivo do incorpóreo e do intelectual – da oração, da devocional, da meditação, do discurso, da leitura. Fora raras exceções determinadas por um emocionalismo arbitrário, não conseguimos ver nenhuma espiritualidade num abraço, numa caminhada pela praia, num jogo de cartas, numa escalada, num café, numa churrascada, numa flor, num pedaço de pão, na mão de um amigo, numa dor de dente, nas pessoas que estão com você na casa de praia.

Isso enquanto o testemunho do homem-Jesus proclama em altos brados, de sua pedra de escândalo do Novo Testamento, que não há exceções à universal santidade das relações da carne com o universo. Deveríamos andar descalços todo o tempo, pois somos terra santa.

Jesus não apenas tolerou a carne. Ele não apenas rebaixou-se à carne e por certo não aboliu: Jesus a redimiu.

Somos constantemente ensinados sobre a importância de morrer e ressuscitar como Jesus, mas – ai de nós – não há quem nos ensine a encarnar.

Fonte: http://www.baciadasalmas.com/2007/sexto-passo-sensualize-a-sua-espiritualidade/

Folga pastoral

Um membro telefonou ao pastor às 7 horas da manhã de terça-feira. Indignado, disse acusadoramente:
 

- Ontem eu procurei pelo senhor a tarde toda!
 

- Segunda é meu dia de folga - respondeu o pastor.
 

0 membro, ainda mais indignado, retrucou:
 

- 0 diabo nunca tira folga!
 

- Desde quando o diabo é o meu exemplo? - Disse o pastor.

Meus 27 anos de vida


Há exatamente 27 anos, na quinta feira, 28 de outubro de 1982 - mesmo sendo gerado aproximadamente nove meses antes - eu saí do ventre da minha mãe. Nesse dia, às 6:00 am, ouviu-se o choro de vida do menino José Jairo do Amaral Filho, com 3,2 kg e 51 cm. Impregnado pelo sangue do ventre materno e pelo sangue eterno de Jesus, saio do útero de minha mãe para ser regenerado na minha história pela eterna cruz de Jesus; a fim de viver para Deus como o primeiro filho a inaugurar o ventre materno de mainha, sendo o rascunho preparativo que antecedeu as duas mais belas obras de arte da família, posteriormente feitas por meus pais: as minhas duas lindas irmãs.

Minha mãe conta que quando estava sentindo as dores do parto, meu pai estava tão nervoso que não sabia se levava minha mãe para o hospital ou se arrumava engraxando o sapato para me receber.

Graças a Deus, sou fruto do relacionamento de amor de meus pais; hoje, casados há 28 anos. Sempre ouvi meus pais dizerem que sempre fui desejado e amado antes mesmo do meu nascimento. Eles receberam tanto amor de Deus e tinham tanto amor um pelo outro que o coração deles transbordou abundantemente de amor a ponto de ser impossível não ter filhos para compartilhar a dádiva do amor em família.

Lembro de uma ocasião na minha adolescência que eu briguei com meus pais, a ponto de ficar com muita raiva deles. Quando estava arrumando umas coisas em casa, encontrei uma carta nunca antes descoberta por mim. Li e chorei constrangido pelo amor de meus pais por mim, antes mesmo de eu nascer. Esse amor me motivou a pedir perdão e a obedecê-los por amor em resposta ao amor deles por mim. Agora transcrevo a carta que meus pais escreveram quando cheguei a este mundo. Que seja arquivada aqui e lida pelos meus tataranetos.

"Carta escrita quando você nasceu
Iguatu-CE, 07/11/1982


Seja bem vindo!


Nosso querido filho, você será mais um motivo de alegria para nossa vida. Durante nove meses estivemos nos preparando na expectativa da sua chegada. E enfim você chegou.


Jairo Filho, você chegou a nossa casa no dia 31/10/1982, dia de domingo, às 17 horas. Sua avó Mariinha foi a primeira a lhe banhar, e você fez xixi no vestido dela.


Pessoas que lhe visitaram logo após a sua chegada: Minha tia Socorro e o filho dela, Sandra, minha avó Expedita, Carlos, Rosimar.


Beijo de seu pai feliz da vida,
Jairo Amaral"

Além dessa carta fiz outra grande descoberta: Quando eu tinha 19 anos, enquanto era estudante na faculdade de Teologia e vocacionado ao ministério pastoral, meu pai me confessou, com os olhos lacrimejando, que minha vocação pastoral é fruto de uma oração feita antes de eu nascer. Nesse mesmo momento meu coração e minhas pernas tremeram. Nunca ele me obrigou, ordenou ou me iludiu para que eu me tornasse pastor. Pelo contrário, ele sempre me apresentou a face nua e crua do ministério pastoral. Mas, a graça da vocação de Deus me alcançou; e quando meus frutos ministeriais começaram a revelar minha vocação, meu pai fez essa confissão. Nesse exato momento que se chama hoje, 28 de outubro de 2009, eu me lembro dessa confissão-testemunho com muitas lágrimas de amor, e agradeço a Deus por ter me escolhido imerecidamente para amá-lo e serví-lo de coração, por toda a minha vida.

Acredito que o amor de meus pais, expresso nessa carta e na oração por mim, ilustra o amor de Deus. A Bíblia é a carta de amor de Deus por nós. E esta carta nos revela um Deus que, por Ser Amor, decidiu nos redimir antes da criação do mundo quando o cordeiro eterno de Deus, o seu filho Jesus, foi morto na eternidade antes do início do cronos. Deus decide amar e criar o mundo, mesmo sabendo que sua criação poderia se rebelar contra ele. Assim, a maior prova do amor de Deus está em criar o mundo que lhe custaria o sacrifício do Filho. A cruz na eternidade é anterior a crucificação histórica no calvário. A rendenção é antes da criação. O “Está consumado” ouvido no calvário foi o carimbo histórico de que já estava consumada, na eternidade, a obra da cruz. Só assim, foi possível criar o mundo. Como diz a inesquecível frase do Ariovaldo Ramos: Antes de dizer: “Haja luz”, Deus disse: “Haja cruz”. Antes de criar, Deus teve que salvar. Pois a crucificação não foi um plano B para resolver um imprevisto, mas a eterna cruz é o único e suficiente plano de Deus para seu relacionamento com a sua criação.

Tanto essa revelação do amor de Deus quanto à carta de meus pais e a oração pela minha vocação me ajudam a interpretar corretamente minha biografia até agora e olhar para frente com sonhos e esperança. Tanto a eterna cruz como a histórica crucificação de Jesus revelam que sou fruto do amor de Deus. Por isso, tenho todos os motivos do mundo para entender que não sou fruto do acaso ou acidente de percurso da vida. Pelo contrário, tenho motivos de sobra para cultivar uma auto-estima saudável e equilibrada. Dessa forma, encontro sentido para viver sendo semelhante a Jesus, encontro motivação para crescer na graça de Deus e encontro forças para enfrentar as crises existenciais da vida.

Encontro sentido para viver quando sei que a eterna cruz de Cristo foi providenciada antes da criação do mundo para que eu fosse criado a fim de me tornar como Cristo. Este é o propósito de nascer, viver e morrer: ser semelhante a Jesus. Quando cumpro esse propósito é gerado em mim santidade e sanidade. Quando vivo para ser semelhante a Jesus me aproximo cada vez mais do tipo de gente que Deus pretende que eu seja. Quando sou mais semelhante a Jesus mais humano eu sou e mais feliz da vida eu vivo.

Mas sei que isso é um ideal de vida. De vez em quando tenho me desviado do caminho de ser parecido com Jesus e inevitavelmente caio no abismo do pecado. Por isso, encontro diariamente a renovação da graça e da misericórdia de Deus quando sou perdoado desde sempre e para sempre. Graças a Deus pela cruz e pela crucificação que garantem a imutável redenção da minha vida e o perdão de todos os meus pecados em todos os tempos. Tenho experimentado a graça de Deus que revela a disposição de Deus em me amar imerecidamente sem barganhas. Com isso, minha peregrinação existencial tem trilhado a espiritualidade do evangelho da graça de Deus, absolutamente despida de qualquer traço da religiosidade da justiça própria das bargangas. E o Espírito Santo é o selo colado no meu coração que garante o imutável amor de Deus por mim e seu constante investimento na minha vida para que eu me pareça cada vez mais com Jesus.

Nesse processo de me tornar semelhante a Jesus, surgem as crises existenciais inevitáveis na vida durante o caminho da felicidade. Por isso, nas crises da vida e nos períodos de espírito perturbado, encontro contentamento em Deus que me fortalece. Acredito que a felicidade é muito mais do que obter picos de prazeres efêmeros, conquistas, riquezas ou fama; nem é evitar dor, sofrimento ou crises na vida. Felicidade em Cristo é viver semelhante a Jesus. Prazer e sofrimento, conquistas ou fracassos, perdas ou dádivas, fartura ou escassez se mesclam como instrumentos pedagógicos de Deus para formar em mim a espiritualidade do contentamento de e em Jesus. Por isso, tenho aprendido diariamente a viver contente, satisfeito, pleno, realizado, inteiro e feliz em toda situação quando encontro significado nos momentos, acontecimentos e afazeres cotidianos na agenda histórica da minha vida. Só assim tenho aprendido a interpretar minha vida longe da rotina do tédio e do niilismo existencial.

Graças a Deus, eu nasci no lar cristão. E desde sempre fui à igreja-templo como expressão de ser eu mesmo a igreja-povo salvo para ser o corpo de Cristo. Só não nasci na igreja porque não era domingo, mas era uma quinta-feira. Por isso, essa consciência da espiritualidade de Jesus tem sido adquirida com o passar do tempo. Tanto a educação familiar herdada, como minhas idiossincrasias, a convivência com a igreja e as circunstâncias diversas e adversas que surgiram e surgem na minha vida são frutos da graça de Deus, fazendo-me ser quem eu sou hoje: um projeto humano de ser semelhante a Jesus.

Nesse processo de educação para a vida, a minha família é indispensável. Com meu pai tenho aprendido a vocação pastoral de servir a Deus por amor e com perseverança até o fim. Com minha mãe tenho aprendido a amar a Deus apesar da dor. Com minha irmã Kelly tenho aprendido o significado de ser amigo. Com minha irmã Fernanda aprendo o significado de superação em dar tudo de mim para fazer o melhor para Deus. Com minha sobrinha Larissa aprendo a ser criança no Reino de Deus. Com minha esposa Lorena tenho aprendido há 1 ano e 8 meses e 12 dias que casamento é muito mais do que viver como sócios debaixo do mesmo teto; é viver amadurecendo o amor plantado em nós, mesmo em meio aos acertos e desacertos da relação conjugal. É conquistar a mesma mulher amada desde sempre todos os dias e para sempre. E com você eu tenho aprendido a arte da convivência através do amor, serviço e perdão. Pois, aprendo com Jesus que a convivência, o amor, o serviço e o perdão formam o quarteto cíclico da vida de todo relacionamento. Como ninguém é uma ilha humana, escrevo isso porque não vivo sem vocês, uma vez que sou criado à imagem e semelhança de um Deus trino que me programou para viver relacionamentos de amor. Por isso, todas essas pessoas enchem minha bagagem biográfica de conteúdo espiritual, intelectual e afetivo.

Minha biografia ainda está sendo construída. É óbvio que não tenho a ousadia e a pretensão de escrevê-la agora. Tenho muita história para fazer e viver. Por isso, acordei cedo hoje para aproveitar mais e melhor o meu dia de aniversário. Esperava um dia caloroso, mas o frio inesperado chegou aconchegante. E é nesse clima de gratidão que vamos celebrar a vida hoje e sempre.

Recebo até o fim do ano todos os presentes, os abraços, beijos, sorrisos, homenagens e parabéns que quiserem me dar. Recebo toda dádiva com o coração aberto. Sei que cantar parabéns para o aniversariante não passa de uma expressão cultural que estreita laços de amor entre as pessoas. Mas o parabenizado de hoje não deve ser eu, e sim, Aquele que renova sua graça e misericórdia quando acende o dia todo dia com a luz do sol. Ele é o motivo de apagar velinhas todos os anos até que Ele me chame para a festa eterna no céu. E quando Ele me chamar, vou babando de amor para seus braços que é incomparavelmente melhor que tudo. Enquanto essa dádiva eterna não chega, vivo aqui nesse intervalo entre o útero de mamãe e o útero da terra, onde todo meu aniversário é Cristo, e meu sepultamento será a minha maior riqueza.

Tenho tanto para escrever, mas vou deixar para os próximos anos...se eles chegarem...

Em Cristo, o sentido da minha vida

Jairo Filho – Imbituva-PR, 28 de outubro de 2009.

Amigos e Amigos


Um homem foi comprar jornal com seu amigo. O amigo cumprimentou o jornaleiro amavelmente, mas, como retorno, recebeu um tratamento rude e grosseiro.   

Pegando o jornal que foi atirado em sua direção, o amigo sorriu carinhosamente e com toda atenção, desejou ao jornaleiro um bom final de semana. Quando os dois desciam pela rua, o homem perguntou ao seu amigo:

- Ele sempre lhe trata com tanta grosseria?
- Sim, infelizmente é sempre assim.
- E você é sempre tão amável com ele?
- Sim, sempre sou.
- Por que você é tão educado, já que ele é tão rude com você?
- Porque não quero que ele decida como eu devo agir. 

Nós somos nossos 'próprios donos'. Não devemos nos curvar diante de qualquer vento que sopra, nem estar à mercê do mau humor, da mesquinharia, da impaciência e da raiva dos outros. Não são os ambientes que nos transformam e sim nós que transformamos os ambientes.

'Para saber quantos amigos você tem, dê uma festa.
''Para saber a qualidade deles, fique doente!'


(Autor Desconhecido)

O que é pecado?




Introdução

Muita gente pergunta para mim: Isso é ou não é pecado? Aquela pessoa é mais pecadora do que a outra? Esse pecado é maior do que aquele? Por que esse bebê já é considerado pecador? Por que todos somos pecadores? Por que o bem que quero fazer eu não faço? O que é pecado?

A definição mais comum para pecado é “infringir normas divinas”. I João 3:4 afirma isso: “Todo aquele que pratica o pecado transgride a lei, porque o pecado é a transgressão da lei”. Com base nesse e outros textos, o teólogo Millard Erickson definiu pecado como “qualquer falta de conformidade, ativa ou passiva com a lei moral de Deus. Semelhantemente, o teólogo Wayne Grudem define pecado como “deixar de se conformar à lei moral de Deus, seja em ato, seja em atitude, seja em natureza”. Perceba que a ênfase dessas definições de pecado recai sobre “conformidade com a lei” e sobre a idéia de que há uma autoridade legisladora suprema.

Diante disso, como traduzir o conceito bíblico de pecado para a atual geração pós-moderna? Para muitos, o conceito de pecado não faz o menor sentido nem diferença. Isso acontece porque temos alguns pressupostos filosóficos, culturais e religiosos impreguinados na mentalidade pós-moderna que impedem a absorção do conceito de pecado como transgressão à lei de Deus. Vejamos esses pressupostos:

1. Rejeição à autoridade legisladora: A geração pós-moderna absorveu uma mentalidade avessa a toda e qualquer autoridade legisladora. O ditado popular sugere que toda lei foi feita para se desobedecer. Há um espírito de rebelião na natureza humana e no comportamento da sociedade que rejeita normas, leis, regras civis e, principalmente, religiosas. A cultura religiosa popular desenhou um Deus autoritário e ditador de condutas morais com alto padrão de exigência. Para você ter uma idéia, no interior do Nordeste, todo evangélico é aquele que entrou para a "lei dos crentes". Isso acontece porque a religiosidade cristã produziu uma teologia moral de causa e efeito que resume a relação com Deus exclusivamente em obedecer às regras de Deus para ser premiado; ou, se desobedecer, ser castigado. Dessa forma, como falar de pecado para uma geração que rejeita ditaduras morais e religiosas e enxerga Deus como um legislador autoritário?

2. Relativização da verdade: Uma vez rejeitando as legislações impostas, a geração pós-moderna absorveu também uma mentalidade que relativiza valores morais, éticos e religiosos. Agora há um descaso com qualquer autoridade externa ao individuo. Quando falamos que isso ou aquilo é pecado, logo somos interrogados: “Quem é você para dizer o que é certo ou errado?” Agora, a verdade é produzida pela jurisdição interior de cada individuo. E a verdade deixa de ser absoluta para ser relativizada por cada um. Em resumo, nossa geração vive o adágio popular de que cada cabeça tem sua sentença. Exemplo: As práticas de roubar, mentir, adulterar e matar podem não ser consideradas pecados em determinadas ocasiões. Todo mundo concorda que roubar é pecado, mas que roubar de nosso governo corrupto não é pecado. Sempre ouvimos isso: “Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão”. Todo mundo concorda que mentir é pecado, mas mentir para preservar o emprego não é pecado. Todo mundo concorda que adulterar é pecado, mas se apaixonar por outra pessoa quando o casamento está em crise é uma boa saída para apimentar e valorizar a relação conjugal. Todo mundo concorda que matar é pecado, mas matar o pedófilo que estuprou e matou a menininha de sete anos não é pecado. Assim, os fins justificam o pecado e relativizam a verdade. Em outras palavras, para algo ser pecado é preciso que seja um crime hediondo que extrapole a consciência mais depravada. E mesmo assim, tem gente que discorda disso.

A rejeição da autoridade legisladora e a relativização da verdade exigem uma revisão do conceito de pecado. Se observarmos o comportamento social, cultural e religioso vamos perceber que a definição do que é pecado sofre metamorfoses com o passar dos tempos.

Nas décadas das famílias tradicionais no Brasil era absurdo falar em e com homossexuais; hoje, isso é considerado crime de homofobia. E isso influencia a educação sexual ensinada pelos pais aos seus filhos. Luis Fernando Veríssimo demonstra essa mentalidade quando desenhou uma tira da Família Brasil na qual o avô pergunta à neta grávida se o bebê seria homem ou mulher, ao que ela respondeu com naturalidade: “Não sei, vai escolher quando crescer”.

Adultério sempre foi visto como pecado grave tanto pela religião cristã como pela ética e a moral da sociedade laica. Mas com o passar dos tempos, alguns casais encontraram a jutificativa, a permissão e a solução para o ciúme e o adultério: swing, troca de casais. Há um acordo entre os cônjuges para não haver ciúmes. É a promoção do sexo pelo sexo. E com isso, o swing deixa de ser mais uma aberração sexual e para ser apenas mais uma opção sexual de relacionamentos. E quem discordar disso é considerado preconceituoso. 

Há um exemplo de adultério no cinema. O filme "Titanic" mescla uma história real de naufrágio com uma aventura romântica. O roteiro mistura uma tragédia com um adultério. E quase ninguém percebe isso. A personagem Rose tem um noivado em crise com um homem rico e chato. Nesse cenário, aparece o lindo e aventureiro Jack conquistando e transando com a Rose. Resumindo: O autor desse filme conduz todo espectador a torcer pela aventura romantica de adultério entre Jack e Rose. Pior ainda: Muitos queriam estar no navio exatamente no lugar dos dois. Nesse caso, aprendemos que adultério não é pecado.

Antes, não ser virgem era motivo de discriminação; hoje é o contrário. Surgiu recentemente uma propaganda na TV que mostrava uma avó com sua neta no restaurante. A avó censura sua neta por usar chinelos no restaurante. A neta prontamente responde que ela não usava simples chinelos, mas sandálias que combinavam com ambientes chiques; e logo em seguida, a neta cesura a avó por ser atrasada e não ser tão moderninha como ela. Em seguida, aparece um ator galã no restaurante. As duas olham para ele com admiração. A avó sugere para neta arrumar um galã como aquele ator. A neta, imaginando que a avó está pensando em casamento, responde que acha chato casar com homem famoso. A avó prontamente responde: “Mas quem falou em casamento? Eu to falando de sexo.” A neta suspira surpreendida com a resposta e escuta ainda a avó dizer: “Depois eu ainda sou a atrasada?” Perceba a mensagem da propaganda: Usar as sandálias é ser tão moderno quanto alguém que faz sexo casual. O que era um tabu há alguns anos, agora vira sinônimo de modernidade. Assim, hoje quem não faz e curte um “affair” é careta atrasado e retrógado. Os valores éticos e morais da sexualidade em nossa cultura estão se invertendo cada vez mais. O que era imoral, agora é moralmente aceito com naturalidade. E o que era errado vira certo.

Espero estar errado, mas do jeito que a carruagem está andando, suspeito que, com o passar do tempo, os pedófilos deixem de ser vistos como criminosos e conquistem sua vez e voz  de aprovação na mídia. Será que no futuro iremos achar normal um homem de 50 anos transar apaixonado por uma menina de 8 anos?

Semelhantemente, os valores religiosos também seguem esse mesmo rumo. Muita gente não sabe que os orgãos sacralizados no início da igreja protestante evangélica no Brasil eram usados em cabarés nos USA. As igrejas do passado abominavam instrumentos musicais de corda e percussão, mas hoje estes instrumentos já estão sacralizados.

Acompanhar músicas agitadas batendo palmas era trazer o mundo para dentro da igreja. Praticar esportes eram práticas pecaminosas e mundanas que deveriam ser evitadas pelos crentes. Hoje tem igreja-templo que é quadra de esporte durante a semana e no domingo é templo religioso.

A dança sempre foi um grande pecado capital para a cultura evangélica. Era considerada mundana demais para ser aceita e praticada. Hoje, uma igreja que não dança com suas coreografias é uma igreja morta.

Para você ter uma idéia, há, em nossos dias, forró evangélico que reúnem casais para dançar nos cultos. Para os crentes, antigamente, a televisão era a imagem da besta. Hoje, os crentes não saem da frente da TV nem da TV. E quem é besta é quem não usa a TV para falar da sua igreja.

No passado, a moça que usava calça, maiô ou biquíni era considerada vulgar onde quer que fosse. E a mulher evangélica que usasse maquiagem ou andasse na moda era vista como pecadora, mas hoje há desfile de modas nas igrejas com modelos profissionais cristãs.

Na década de trinta um homem de respeito usava chapéu, boina, boné. Hoje, o chapéu ou boné na igreja é considerado desrespeito a Deus. O homem de terno e gravata sempre foi visto como homem santo e mais espiritual do que outros. Um homem sem terno e gravata era proibido de pregar de púlpito em algumas igrejas. Hoje, terno e gravata está virando sinônimo daqueles que participam das máfias do colarinho branco em Brasília.

Em 1982, houve uma campanha de oração no Brasil contra a primeira edição do Rock in Rio. Na sua terceira versão em 2001, um grupo gospel, Oficina G3, participou da abertura desse evento.

A sexualidade sempre foi um grande tabu no meio evangélico, a ponto de ser sempre considerada pecado. Mas, hoje, para surpresa de alguns poucos, existem igrejas a favor de todas as opções e orientações sexuais, e, até mesmo, há pastores gays ordenados.


Imagine comigo um evangélico da década de 1930 no Brasil entrando na máquina do tempo e chegando em 2009. O que ele pensaria ao ver todos os usos e costumes culturais condenados pela igreja se tornarem próprio ao ambiente de culto? Agora imagine eu e você entrando na máquina do tempo e chegando em 2050. O que será ou não será pecado nessa época?

A grande dúvida é que parece que o que é pecado hoje, amanhã não é mais. Logo, como vou saber se isso é pecado ou não? Alguém pode dizer: Hoje isso é pecado, mas espera mais um tempo que daqui a pouco não será mais pecado, e assim, você pode fazer o que você tanto deseja.Afinal, o que é pecado?

Não quero analisar todos os casos culturais e religiosos citados acima, mas quero dizer que ao mesmo tempo é positivo perceber que muitos hábitos e conceitos culturais vêm sendo reciclados com o passar do tempo, como também é negativo perceber que muitos valores morais, éticos e bíblicos absolutos estão sendo negociados e relativizados.

A conclusão que chegamos é que falar sobre pecado não se resume em cumprir ou não cumprir regras e leis religiosas. Devemos entender o significado bíblico de transgredir a lei de Deus e diferenciá-lo da transgressão às leis religiosas. As leis religiosas são mutantes com o passar do tempo, pois são fabricações da religiosidade cristã. Mas a lei de Deus é boa, absoluta e imutável, pois é legislada com a autoridade e a verdade do Deus amoroso, santo e justo (I Tm 1:8).

Mas, afinal, o que é pecado? Como eu posso traduzir a definição bíblica de pecado para a nossa sociedade contemporânea? Eis 2 aspectos sobre o pecado que formam uma definição bíblica e existencial sobre o pecado.

1. PECADO É A NATUREZA HUMANA

O pecado sou eu. Eu sou o pecado. A natureza pecaminosa é a raiz da alma humana. O pecado é um estado de ser. Pecado é uma inclinação, uma disposição interior, uma tendência natural para o mal. O ser humano é tão culpado por pecar quanto o tuberculoso é culpado de tossir. O problema já não é a tosse, mas a tuberculose. Isso inverte a idéia de que sou pecador porque peco. Na verdade, peco porque sou pecador. Desde a concepção no ventre materno, o feto humano, em desenvolvimento, é pecador. Davi afirma: “Eu nasci na iniqüidade, e em pecado me concebeu minha mãe.” (Sl 51:5). E Paulo nos diz que “éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais” (Ef 2:3). Isso quer dizer que mesmo sendo um feto no ventre materno ou um religioso dormindo, que ainda não pecaram ativamente com atos externos e visíveis, ainda sim, são pecadores por natureza aos olhos de Deus.

A natureza pecaminosa do ser humano implica em dizer que cada parte de nosso ser está maculado pelo pecado – o intelecto, as emoções, o coração, o corpo. Diz Paulo: “Sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum” (Rm 7:18). Esse “bem” é o bem espiritual no tocante ao relacionamento com Deus. Além do mais, somos, por natureza, defuntos espirituais mortos em nossos delitos e pecados (Ef 2:1). Até mesmo o homem religioso busca a Deus com as mais íntimas intenções e motivações maculadas pelo pecado. Em resumo: Por natureza, o homem é incapaz e impossibilitado de se chegar a Deus por si só (Rm 3:10), pois não tem desejo, iniciativa, meios nem méritos para se reconciliar com Deus. Assim, sem o milagre da obra de Cristo em nós é impossível a nossa salvação.

2. PECADO É VIVER FORA DO PROPÓSITO PELO QUAL FOMOS CRIADOS E SALVOS

A Bíblia fala que a natureza pecaminosa se expressa em atos e pensamentos. Tanto atos de roubar, mentir, adulterar ou cometer homicídio, como também pensamentos e desejos de egoísmo, ciúme, raiva, ódio, cobiça, ira, luxúria são pecados diante de Deus. Isso quer dizer que pecar não se resume exclusivamente em atos exteriores de pecado visíveis na sociedade; mas também, e principalmente, desejos impuros e malignos do coração. A espiritualidade ensinada por Jesus aponta para o pecado no coração do homem quando nos ensina: “Porque do coração procedem maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias”. (MT 15:19). Jesus extrapola a justiça dos fariseus - que preservavam uma santidade estética de reputação social – quando denuncia o pecado do homem dentro do coração.

A Bíblia nos ensina que as leis de Deus expressam e revelam o caráter de Deus. Se fomos criados à imagem e semelhança de Deus, nossa plena humanidade se desenvolve quando estamos vivendo em conformidade com o Deus que expressamos e de quem derivamos. Exemplos: Se Deus é amor e perdão, não podemos ser ódio e vingança, mas devemos amar e perdoar; e por isso, matar e banir pessoas da nossa existência é pecado. Se Deus é a verdade, não podemos mentir, mas falar sempre a verdade com transparência e sinceridade. Só seremos plenamente humanos, inteiros, realizados, completos, saudáveis e equilibrados quando vivermos em conformidade com o caráter de Deus e sua natureza.

Por isso, é extremamente essencial e importante construir nossa espiritualidade olhando para Jesus. Quando olhamos para Jesus vemos o caráter de Deus. Quando olhamos para Jesus enxergamos o ser humano como Deus pretendeu que fôssemos. Dessa forma, Jesus é considerado o segundo Adão, pois ele é a inauguração de uma nova raça regenerada a partir da cruz. “Pois assim como, por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também, por um ato de justiça, veio a graça sobre todos os homens, para a justificação que dá a vida. Porque, como, pela desobediência de um só homem, muitos se tornaram pecadores, assim também, por meio da obediência de um só, muitos se tornarão justos”. (Rm 5:18, 19).

Sendo assim, o propósito de nossa vida é ser semelhante a Jesus, uma vez que Jesus é a imagem exata de Deus e é a imagem exata do ser humano como Deus pretendeu que fosse. Ou seja, Jesus nos ensina ser plenamente seres humanos quando nos ensina a viver segundo o caráter de Deus. Isto chama-se santificação. Santificação é processo contínuo de viver semelhante a Jesus. Esse processo de santificação por toda a vida é sinônimo de felicidade. Felicidade nada mais é do que viver de acordo com o propósito pelo qual fomos criados. E qual é o propósito de sermos criados? Ser semelhantes a Jesus.

Vamos ilustrar essa idéia imaginando como seria uma bola de futebol feliz. Uma bola feliz é uma bola que está funcionando de acordo com o propósito pelo qual foi criada. Ou seja, bola não foi criada para ser peça de museu, nem para servir de assento como se fosse uma cadeira, nem para bater prego como se fosse um martelo, ou costurar um tecido como se fosse uma agulha. Semelhantemente, pecar é quando funcionamos de maneira contrária ao propósito pelo qual fomos criados. Quando caminhamos na direção contrária ao propósito de nossa criação de ser semelhante a Jesus, pecamos e colhemos frustração, insatisfação, infelicidade. Quanto mais o ser humano se distancia do caminho de ser semelhante a Jesus, mais ele fica bestializado e desumano. Assim, você não foi criado para odiar, mas sim para amar. Você não foi criado para roubar, mas para compartilhar. Você não foi criado para matar, mas para gerar vidas. Você não foi criado para a carnalidade egoísta e hedonista, mas para a piedade altruísta. Você não foi criado para a soberba da vida, mas para a humildade de espírito. Você não foi criado para ser filho do inferno, mas para ser filho de Deus. Enfim, você não foi criado para viver em pecado, mas para ser humanamente santo como Jesus.

Conclusão

Concluo dizendo que pecado realmente é infringir a lei de Deus. Mas qual o significado da lei para a nossa vida? Ante de tudo, “Sabemos, porém que a lei é boa, se alguém dela se utiliza de modo legítimo” (I Tm 1:8). Porque se alguém usa a lei de maneira inadequada, a lei é opressora, pois gera muitos crentes feridos em nome do legalismo religioso.

O reformador protestante João Calvino nos ensina que a lei tem basicamente três funções: (1) Tornar-nos indesculpáveis. Pois a lei revela a natureza pecaminosa e a nossa incapacidade de corresponder ao alto e exigente padrão de Deus de santidade e obediência. (2) Refrear a maldade humana. Pois a lei foi nos dada para conter a maldade nas relações sociais. (3) Apontar o caminho da liberdade em Cristo. Ao mesmo tempo em que a lei lembra de nossa dívida impagável e incapacidade de obedecer a Deus, a lei também aponta para o sacrifício de Cristo na Cruz. A leia nos aponta para a graça do evangelho, pois Jesus sofreu o castigo de morte pela nossa desobediência e rebelião contra Deus, como também obedeceu toda a vontade de Deus em nosso lugar. Assim, na cruz de Cristo nós temos a justiça e o amor de Deus que garantem o perdão de nossos pecados.

Sabendo que somos pecadores por natureza e, por isso, pecamos quando nos afastamos do propósito de ser semelhantes a Jesus, podemos concluir dizendo que a salvação só é pela graça de Deus (Ef 2:8,9), e sendo pela graça, somos chamados a viver libertos do pecado pela cruz de Cristo para nos consagrarmos a Deus em santidade (Rm 6:1, 2, 11-14).

Em Cristo, que nos libertou do pecado

Jairo Filho