A imanência das lágrimas de Deus


Não podemos negar que a nossa alma tem dimensões e recônditos que ninguém é capaz de compreender, lágrimas que não se explicam pela lógica, dores impossíveis de serem compartilhadas e que ninguém é capaz de suportar; e crises existenciais de fé, pelas quais, não há empatia possível pra consolar-nos. E, em muitos momentos de nossas vidas, é impossível esquecer daquelas noites mal dormidas quando nossa fé se perde nos labirintos de nossas crises existenciais e a solidão assalta nosso coração nos fazendo vítimas e reféns da dor. Neste cenário escuro e sombrio de tristezas e incertezas, nossos gritos de desespero e desabafo são inexprimíveis aos ouvidos da empatia do coração amigo mais próximo. O que nos resta é ter a solidão como companhia, as lágrimas como leito e o soluço como embriagues de nossa alma.

Quando nos encontramos em tal estado de espírito perturbado, nossos sentidos, doloridos pela dor, esquecem da presença amorosa de Deus em toda a realidade de nossa existência, que partilha conosco de todas as experiências de nossa alma. Esta presenca revela a imanência de Deus na existência humana. Ou seja, Deus está envolvido e permanece dentro de sua criação, pois ela depende Dele para existir e manter-se em atividade. Porque nós mesmos estamos imersos em Deus como fundamento de toda realidade existencial. Isso implica dizer que Deus não está distante nem desinteressado por nossas crises existenciais. Isso nos faz saber e crer que os gritos de nossa alma são sempre ouvidos por Deus no silêncio de nossa fé.

A imanência de Deus foi revelada na encarnação de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo na história humana. Sua encarnação faz o Deus Emanuel um de nós e imanente na identificação das realidades e crises da existência humana. Assim como nós, nosso Senhor Jesus Cristo de Nazaré foi encontrado em forma humana. “Embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo que devia apegar-se, mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E sendo encontrado em forma humana...” (Fp 2:6-8), ele possuiu um frágil corpo de sangue, músculos, fibras nervosas, ossos e alma/espírito. E suas fibras nervosas e sua alma sentiam as mesmas dores que todos nós sentimos.

O Filho de Deus veio ao mundo envolto em sangue e lágrimas numa pobre majedora, nasceu na periferia do mundo, cresceu pobre, viveu nossa história, conheceu nossos valores, sofreu nossos problemas, sentiu nossas dores, foi oprimido e desprezado, ficou deprimido e angustiado, sentiu-se abandonado e incompreendido, participou de nossos sonhos e esperanças até morrer agonizando numa cruz envolto em sangue e lágrimas. Cristo viveu aprendendo e sofrendo como homem, a ser humano como nós. O teólogo alemão Jürgen Moltmann disse: “Deus não se revelou em Jesus para tirar nossas dores, mas para compartilhá-las. Em Jesus, Deus revelou-se a nós como um Deus sofredor. Ele entrou em solidariedade com a humanidade”. Em outras palavras, na cruz, o sangue de Cristo foi derramado para remissão de nossos pecados, e nos céus, a imanência das lágrimas de Deus foi derramada para consolar todos os que choram.

Mas a história da imanência das lágrimas de Deus, na encarnação de Cristo, continua na ressurreição. O Cristo ressurreto levou consigo, à eternidade, as marcas de seus ferimentos. E à destra de Deus se encontra o nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, com marcas de suas dores para identificar-se com nossos sofrimentos por toda a eternidade. Assim, mesmo em meio a crises, conflitos, incertezas, dores e perturbações, nós podemos crer que as lágrimas de Deus lavam nossos olhos para enxergarmos, no banal, a empatia de seu amor, a consolar nosso coração e regar a nossa fé, para frutificar numa maturidade até que o caráter de Cristo seja formado, plenamente, em nós.

Jairo Filho


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