Do lamento ao engajamento


Não tem como esconder que temos todos os motivos do mundo para viver lamentando e para lamentar vivendo. Nossa geração vive um clima de decepção existencial, espiritual e social. Hoje, celebramos o funeral de nossos sonhos pessoais, de nossos ideiais de vida moral e espiritual, e de nossas utopias políticas-sociais para um mundo melhor. Estamos vivendo uma crise de depressão, decepção, frustração, dúvidas, ravia, desilusão, desencatamento, tristeza, pertubação, descrença, desânimo, desalento, insegurança, perdas e danos. É trágico dizer que estamos vivendo sem destino, sem esperança e sem sentido. Agora, só nos resta o lamento como nosso consolo e desabafo, e concordar com o refrão do sábio de eclesiástes de que “Tudo é ilusão” e “Nada faz sentido”.

Não tem como esconder nosso lamento pela decepção existencial que nos cerca. Parece que muitos de nossos sonhos pessoais são destruídos por capricho do destino. Ás vezes, a vida parece ser tão injusta: Os ruins são recompensados, enquanto os bons são castigados (Ec 7.15). Enquanto isso, o sonho de estudar numa faculdade, do casamento feliz, da casa própria, do emprego, da educação dos filhos, da saúde perfeita, das férias merecidas, da viagem dos sonhos e da vida feliz nem sempre se realizam como desejamos. Ás vezes, não dá pra não esconder aquele choro provocado pela saudade, rejeição, traição, abandono e falsidade. Parece que não adianta mais confiar nas pessoas que nos relacionamos. A única saída é fechar nosso coração para não se envolver com mais ninguém nem confidenciar nossas intimidades com mais ninguém. Chega de envolvimento. Os relacionamentos pessoais só nos machucam. Também lamentamos porque cansamos de tentar mudar nosso jeito de ser para agradar a todos e não conseguimos. Chegamos a conclusão de que nunca seremos tão bons quanto se espera que sejamos. Quando lemos a Bíblia, somos sempre reprovados. Quando pensamos que estamos fazendo tudo certo, nos surpreendemos com nossa reprovação pelo alto padrão de obediência exigido por Deus. Por isso, não tem como não lamentar por nós mesmos.

Não tem como esconder nosso lamento pela decepção com a imoralidade social que nos cerca. Lamentamos porque aquela liberdade de expressão que surgiu como grito de liberdade contra a ditadura relativizou os absolutos morais e espirituais. Não temos mais um padrão da verdade. Tudo é subjetivo e julgado pela emoção de cada um. Com isso, a liberação sexual transformou os relacionamentos em encontros superficiais, descartáveis e vazios de amor. O individualismo surgiu como meio de liberdade e independência, mas acabou nos enterrando na insegurança da solidão e nos alienando dos gritos de socorro do nosso próximo. O consumismo do capitalismo selvagem prometeu prosperidade, mas acabou nos algemando em dívidas e prestações. A televisão só mostra reportagens que noticiam tragédias, catástrofes, violência, pobreza, fome, miséria, corrupção política, roubos, mortes, sofrimento e guerras. Os programas de entretenimento doutrinam o povo a viver e aceitar passivamente o adultério, mentiras, ódio, vingança, traição, arrogância, galmourização dos conflitos familiares e etc. É trágico dizer que estamos num estado de calamidade pública sem nenhuma referência moral para nos guiar. Com isso, o sonho da honestidade, da solidariedade, do altruísmo, da fraternidade, da paz, do amor verdadeiro, da fé em Deus e da justiça é totalmente destruído. Esse é o nosso lamento social.

Não tem como esconder nosso lamento pela decepção espiritual que nos cerca. Estamos cansados de ouvir histórias dos gritos de dor e decepção de mulheres que perderam seus filhos depois de ter dado tantos dízimos e ter feito tantas campanhas de oração na igreja para comprar a cura de Deus para seu filho. São vítimas que acreditaram num Deus pintado por pastores picaretas que se acham porta vozes e mediadores de Deus enquanto cobram pedágio-dízimo para pessoas lucrarem alguma benção de Deus nos corredores de seus mega-templos. Vejo seminaristas, pastores e teólogos decepcionados com o intelectualismo teológico vazio, alienado e sem vida que se propagam nas faculdades e congressos. Cansamos de presenciar pessoas sendo vítimas do complexo de culpa e do medo de Deus tentando apagar Sua ira com altas indulgências na tentativa de comprarem o perdão de Deus para serem salvas ou continuarem salvas. Ainda vejo a geração cristã decepcionada com os cultos da marcha ré do evangelho. Porque em vez dos líderes evangélicos levantarem uma voz de denúncia profética contra as injustiças em nosso país, levantam apenas vozes famosas no show da fé evangélica para cantar músicas de entretenimento e deixar o povo ainda mais alienado e de bem com a vida que tem. É um falso evangelho que marcha atrás do vento. E não passa de vaidade. Tudo isso é vaidade. Irmãos, eis nosso lamento.

Não tem como esconder nosso lamento pela decepção com os movimentos políticos-sociais de nosso país. Lembro que Cazuza já era vítima da decepção político-social quando lamentava em suas musicas: ”Aquele menino que queria mudar o mundo, assiste tudo em cima do muro. Meus heróis morreram de overdose. Meus inimigos estão no poder. Ideologia, eu quero uma pra viver”. Nossa geração perdeu seu referencial, seus modelos, seus heróis e com eles, seu furor de revolução e luta por justiça social, por não acreditar mais em nenhum tipo de transformação. E agora assiste o espetáculo da corrupção destruir nosso país sentada em cima do muro da dúvida, da indiferença e do ceticismo. Os movimentos politicos-sociais brasileiros que lutavam pela justiça e igualdade social fracassaram quando chegaram ao poder. Que o diga aquele ex-líder operário que esqueceu de sua luta pela igualdade social e pela revolução do proletariado brasileiro na presidência do país mais desigual do mundo. Do outro lado, a população não tem mais segurança pública. Não temos mais saida: Se ficar, a máfia dos anões, mensalões e sanguessugas come o dinheiro público. Se correr, o PCC nos pega na rua. E se fugir para o campo é arriscado que os sem vergonhas tenham invadido e saqueado o que é seu e te deixado sem terra. Sem falar que desde sempre, os políticos soltam suas teorias, promessas e projetos nas campanhas eleitorais para solucinar os poblemas da fome, desemprego, violência, educação, saúde e moradia, com discursos que não passam de conversa fiada. Que espirito votar nas eleições? Para nossa geração, o Brasil que nasceu torno nunca se indireita. E não adianta fazer mais nada. Companheiros, seja nosso lamento ouvido nos corredores do planalto.

Não tem como esconder nossas decepções com a indiferença e insensibilidade estóica. Como disse antes, temos muitos motivos para viver lamentando e lamentar vivendo. Por isso, minha empatia amiga lamenta agora com você por todas as nossas decepções. Considero que lamentar é reconhecer nossa fragilidade, limitação, finitude, vunerabilidade e fraqueza humana, a fim de desabafar nossos gritos engasgados de dor, denunciar as injustiças e reconhecer nossa dependência de Deus. E isso é biblicamente saudável. Lamente com o lamento dos profetas e dos salmistas. A lamentação bíblica tem um olho no homem e o outro em Deus. A lamentação bíblica é a porta aberta para a esperança chegar após confessar nossa limitação e nossa fé em Deus. Agora, lamente apenas pelo que deve ser lamentado. Lamente pela dor que sofreu, por não ser o que devia ser ou pelo que queria ter e não teve. Se passar disso, ou passar muito tempo lamentando, o lamento pode se tornar em murmuração, incredulidade e ingratidão. E a lamentação que era saudável para nossa alma passa a ser doentio e pode matar nosso interior aos poucos. Porque se torna numa ofensa ao caráter bondoso de Deus pelo fato de ficarmos cegos diante de seu agir e vivermos com a aminésia das bençãos de Deus em nossa história.

Poderíamos passar horas e horas citando nossas mais diversas decepções e lamentando por elas. Mas, agora pense comigo: Não é a primeira nem a última vez que somos assaltados e vítimas das decepções da vida. A história é cíclica e/ou espiral. Nada é tão novo e nada é tão velho debaixo da terra. Por isso, não podemos nos deixar viver a vida toda na mesmice de nossa lamentação. A lamentação não pode ser uma rotina cíclica em nossa vida. Existem duas opções para reagir as crises de decepção: viver enterrado na lamentação ou viver engajado na esperança do Reino de Deus. Quem vive lamentando a vida toda vai chegar ao ponto de murmurar por nada na vida e ser um decepcionado sem causa. Mas quem olha para a cruz de Cristo decide viver engajado em todas as realidades da vida e pode ainda colher esperança no coração para ter forças de promover alguma transformação. Devemos olhar para cruz para sinalizar a esperança do Reino de Deus e viver cumprindo nossa missão no mundo sem Deus. Por isso, nunca é cedo nem tarde demais para levantar a cabeça e sacudir a poeira da lamentação.

Se voce lamenta pelos seus sonhos destruídos, mude seus sonhos e entenda que você deve sonhar o sonhos de Deus. E Deus deseja que você sonhe em ter um relacionamento íntimo de amor com Ele, enquanto serve as pessoas em sua volta. O resto é conseqüência. Agora levante a cabeça e não espere sua vida ficar organizada demais, nem espere o momento ideal chegar, nem muito menos as dificuldades cessarem para você comecar a crêr num mundo melhor e agir. Se você deixar para agir quando sua vida estiver organizada, você nunca deixará de ser um espectador da vida. Porque vida nenhuma vai estar organizada. No máximo vai estar menos desorganizada. Além disso, Deus está agindo em nossas vidas neste instante em meio aos problemas e decepções da vida. Em outras palavras: O Reino de Deus está sendo sinalizado no meio e através das dificuldades do dia a dia. E ainda, se você lamenta pelo seu fracasso como pessoa, lembre-se de que nosso pecado não é um empecilho para a bênção de Deus, assim como nossa obediência não é uma condição para sermos abençoados por Deus. Deus nos abençoa seguindo as iniciativas de sua graça sobre nós. E a cruz é a prova maior da graça de Deus que nos transforma em pessoas melhores, apesar de nós mesmos. E ainda, seu Santo Espírito nos ensina e nos ajuda obedecer a Deus por amor, enquanto produz seu fruto em nosso caráter (Gl 5:22). Abra seu coração e sempre deixe-se encher pelo Espirito Santo e olhe para si mesmo com os olhos de Deus. Assim, nossos olhos devem mirar em quem podemos ser em Cristo e não em quem não conseguimos ser ou não somos por nossos próprios esforços e méritos.

A cruz de Cristo nos faz olhar para a nossa realidade espiritual e político-social com os olhos do Reino de Deus. Nossa lamentável realidade não se limita ao que vemos. Jesus inaugurou o Reino de Deus quando esteve aqui nos ensinando que o sentido da sua vida era servir, porque ele, mesmo sendo nosso Rei, não veio para ser servido, mas para servir as pessoas. Cristo tinha muitos motivos para viver lamentando e lamentar vivendo. Ele poderia lamentar porque saiu da destra de Deus Pai para habitar entre nós pecadores. Poderia viver lamentando por ter sido gerado ser humano no ventre de uma virgem suspeita de adultério, fugitiva e perseguida pelo governo. Jesus poderia ter lamentado por ter nascido numa pobre manjedoura, por ter crescido num povo subjulgado por um império rico e poderoso, por viver numa nação governada por um político corrupto que coloca nossos políticos no bolso, por não ter sido recebido pelo seu povo como filho de Deus, por ter sofrido perseguição dos religiosos, por ter sido rejeitado e humilhado pela mesma multidão que num dia o rebeceu como Rei e no outro dia gritava furiosamente crucifica-o; e ainda, por ter sido traído por dinheiro, negado por vergonha e abandonado por covardia dos seus 12 amigos quando ele mais precisava deles. Jesus tem todos os motivos do mundo para viver decepcionado com a vida que viveu e lamentar vivendo. Mas seu grande amor que nos constrange nos ensinou a levantar a cabeça e servir as pessoas, mesmo quando nossa vida está desorganizada pela decepção e pelo lamento. Agora, concentre-se nele, Jesus Cristo, que não mediu esforços para vencer a decepções da vida injusta que teve para provar o quanto te ama. E mesmo assim, Jesus achou que sua vida valeu apena, porque seu serviço na cruz nos ofereceu perdão dos pecados, reconciliação com Deus e salvação eterna. E isto vale a pena porque valeu a tua vida.

Impactados com a vida de Jesus, temos que nos arrepender de sermos apenas analistas da vida, espectadores do mundo, comentaristas do cotidiano e juízes morais dos outros. Passamos muito tempo engajados em teorias, projetos e discursos enquanto nos enterramos em nossas murmurações, críticas e julgamento que nem se comparam com a denúncia profética dos profetas veterotestamentários. Passamos muito tempo sendo consumidos pela inércia de nosso ócio egoísta que vive isolado, arrebatado e alienado do sofrimento das pessoas que estão em nossa volta. Sublimamos nossa missão de encarnar o evangelho no mundo fugindo para a espiritrosfera de nossos cultos extáticos ou quando nos escondemos na burocracia das reuniões dos gabinetes do clero de nossa denominação. Mas a encarnação de Jesus é o modelo de engajamento que temos que viver para transformar as vidas dos necessitados em nossa volta. A vida de Cristo nos ensina a não esperar fazer grandes projetos, empreitadas, organizações e grande mutirões para mudar o mundo. Em muitos momentos, temos que servir a Deus despido de títulos, cargos, lugar de destaque, momento ideal e vida organizada, e até mesmo, servir sozinhos sem nenhuma recompensa ou reconhecimento dos olofotes e aplausos da mídia. Faça como Cristo: Sua encarnação em nosso mundo é o modelo de vencer nossa decepcionante realidade para vivermos engajados no meio das necessidades das pessoas oprimidas e de uma forma ou de outra ajudá-las. Talvez seu nome nunca seja citado pela mídia ou até mesmo seja esquecido. Mas, lembre-se que a história é feita por anônimos que fazem uma parceria com Cristo, a fim de servir as pessoas no poder do Espírito Santo sinalizando seu Reino de Paz, amor e justiça. Assim, se uma pessoa respirou melhor por sua causa, então sua vida valeu a pena, o Reino de Deus foi visto e nós celebramos a vida.

Eu te garanto que nunca seremos servos engajados na vida real, enquanto nosso ego pensar somente em nossa realização pessoal, esperar sempre um milagre espetacular todos os dias, ter dinheiro suficiente, esperar o momento ideal chegar e ter todos os recursos disponíveis para servir. Sair do muro das lamentações da vida para o engajamento é conviver com frustração, perdas, ganhos, decepções, esperança, injustiças, amor, alegrias, derrotas, risos, lágrimas, calma, agitação, paz, ansiedade, e essencialmente, coragem para mudar e coragem para envolver-se com todos e com a vida como ela é. Somente quando tivermos coragem para envolver com a vida e com essa mesclagem de sentimentos confusos e opostos, é que poderemos sair do lamento para o engajamento. Que Deus nos ajude a fazer esta transição: do lamento ao engajamento.

Jairo Filho

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