A ditadura do novo


“Nossa geração vive insaciavelmente faminta por novidades. A descontente alma humana mendiga nas ruas compulsiva pelo novo. Vive-se mendigando novidades para sair dessa vida saturada; para libertar-se do ciclo das mesmices; para sair da monotonia; para interromper a rotina; para transformar a semana; para fugir do mesmo lugar; para não conviver mais com as mesmas pessoas chatas de sempre; para nada mais ser enfadonho; para ressuscitar do ócio; para não morar na mesma casa de sempre; para não viver mais no tédio; para abdicar da melancolia; para abolir a escravatura da agenda; para abnegar a organização; para não ser mais saturado; para não ver reprises; para mudar o hábito; para libertar-se do vício; para rebelar-se contra a ordem imposta; para romper com os mesmos usos e costumes da moda de sempre; para não ser acostumado; para não repousar na inércia; para não conhecer apenas o conhecido; para não repetir o mesmo; para não ter a mesma rotatividade; para abolir a privação do mesmo; para quebrar os mesmos paradigmas; para liquidar o sólido; para não ter nada pronto; para renunciar a tradição; para ser fora da lei; para não falar as mesmas palavras; para não escrever os mesmos textos; para romper com o mesmo padrão; para não ter os mesmos insights; para não bater o cartão de ponto do trabalho no mesmo horário; para não criar a mesma criação; para não ser antigo; para nada ser exato e previsível; para não ouvir, cantar e tocar as mesmas músicas; para desistir do mesmo caminho seguido; para tirar o time de campo e jogar em outro; para rejeitar as fórmulas; para abandonar os sistemas; para extinguir a burocracia; para não vestir o mesmo uniforme; para não comer a mesma comida; para desprezar o consagrado; para mostrar desdém a fidelidade. Enfim, para não ser mais como sempre foi; para não ter o que sempre teve; para não ver o que sempre viu; para não sentir o que sempre sentiu; para não ficar nem andar e nem parar no mesmo lugar; para não buscar o que sempre encontrou; para não fazer o que sempre se fez; para não consumir o que sempre comprou; para nunca pensar com a mesma cabeça; para nunca amar com o mesmo coração e para nunca sentir a mesma emoção; e, finalmente, para não fazer leituras cansativas, enfadonhas e repetitivas como esta. Mas, quem consegue realizar tudo isso?



Buscamos novidades sempre, porque a ditadura do novo cria essas necessidades insaciáveis, cria a sensação de vazio em nossa alma, nos induz a ver que tudo na vida não passa da mesmice de sempre e chega ao extremo de incitar nossa rebeldia contra tudo o que não é novo. Em nossa cultura, queremos fazer sempre de um jeito que ninguem fez antes. Enjoamos da novidade de ontem, queremos o novo de hoje. Vivemos o hoje esperando que seja feita com urgência alguma novidade pra amanhã. Porque a novidade de hoje já ficou velha faz tempo.


Do ciclo vicioso pela novidade instantânea, imediata, pragmática e rápida surge sempre uma necessidade de ter, pegar, experimentar, degustar, olhar, viver, sentir, fazer, consumir e buscar sempre algo diferente, novo e variável a cada novo instante. Porque nunca se está satisfeito com o mesmo. Em nossa cultura, nada é tão novo assim que não precise ser mais novo do que era antes. A nossa cultura sente um desprezo, um enjôo, uma gastura, um nojo, uma antipatia, um distanciamento, uma aversão, uma afastamento e uma repulsa contra o mesmo. Todos os dias procura-se um novo mais novo do que o novo de ontem e de hoje. A ditadura das novidades fecha os museus e proíbe contar as mesmas e antigas histórias em preto e branco que sempre se contou. No lugar disso, abrem-se lojas que vendem variedades coloridas mais diferentes e mais novas do que experimentamos alguns segundos atrás para serem sempre consumidas a cada dia de jeito diferente.


Não é difícil perceber que o mundo de hoje é uma vitrine e uma grande prateleira de variedades diferentes, novas, inusitadas, inéditas, atuais, inovadoras, futuristas, vanguardas, contemporâneas, prodigiosas, espetaculares, extraordinárias, fantásticas, singulares, pós-modernas, extremas, descompromissadas, criativas, instantâneas, desformes e imprevisíveis. Quando pensamos em consumir os objetos de desejo que sonhamos há tempo, não há mais tempo, porque já surgiu algo novo na praça e na mídia que prende nossa atenção, atiça nossa curiosidade e cria novos desejos de consumo imediato. Isso acontece porque hoje não dá tempo para curtir o novo, porque o novo fica velho em menos de um segundo. Se parar pra olhar, pensar, gostar, pegar, saborear, sentir e consumir, já surge outro novo mais diferente do que era antes e ficamos para trás e atrasados no tempo e no espaço.


A cultura da ditadura do novo tem aberto espaço para o perigo do surgimento da cultura do aluguel, do descartável, do cru e do superficial. Podemos perceber isso no consumismo. Ser consumista não é acumular bens e usá -los por muito tempo, mas comprar compulsivamente produtos para depois jogá -los fora, afim de abrir-se pra novos desejos, novas curiosidades, novas sensações, novos bens e usos. Assim, não compramos, mas alugamos e, logo depois, descartamos. E no fim, nem usufruimos direito o que consumimos. Aqui, o tezão está em consumir novidades e não, em possuir algo. Da mesma maneira, a ditadura do novo avança e atinge nossos relacionamentos. A ditadura do novo promove a cultura de que ninguém mais consegue conviver com as mesmas pessoas o tempo todo e por muito tempo. Disso, surgem parcerias frouxas, superficiais, descartáveis e descompromissadas. Numa relação de amizade ou de romance mais permanente sempre há aquela impressão de que se está perdendo algo melhor. Para a ditadura do novo, um relacionamento fiel é uma armadilha que fecha as portas para novas possibilidades, sensaçoes e curtições, quem sabe, até melhores do que a que está no momento. Aqui, o tezão está em ter várias parcerias, amigos e romances diferentes ao mesmo tempo e em todo tempo para depois descartá -los e abrir-se para novas aventuras apaixonantes. O verbo amar não é conjugado nesses tipos de relacionamentos, porque isso implica em compromisso e na possibilidade do casamento. Isso acontece porque a ditadura do novo nunca admite as mesmas experiências, a mesma rotina e a mesma vida de sempre.


A ditadura do novo tem exigido que a nossa cultura descarte as virtudes eternas como a intimidade, a profundidade, a espera, a curtição, a degustação, a persistência, o aproveitamento, o consumo, a continuação, a permanência, a tradição, o costume, a história, a eternidade, a admiração, a contemplação, o amor, a fidelidade, a meditação, e, consequentemente, a nossa vida que é única e é a mesma desde que nascemos. Porque a nossa geração é pressionada a ter o novo para ser feliz. Hoje, felicidade é conviver diariamente com o novo. O novo é o deus de nossa geração. Mas esse deus tem deixado a nossa geração doente. A ditadura do novo tem formado uma geração faminta, liquída, insasiável, insatisfeita, desconsolada, inconformada, descontente, pertubada, ansiosa, exigente, vazia, impaciente e pragmática. Além do mais, a ditadura do novo causa murmuração, vazio, insatisfação, ingratidão, ciúme, tristeza, ganância, descontentamento, inveja, cobiça e compulsão. O pior é que diagnosticamos que não tem como não ter a mesma rotina de vida de sempre. Alguém consegue ter sempre algo novo em sua vida? Sera que é necessário ter sempre algo novo em nossas vidas? Por que precisamos tanto de novidades para viver? É por que com tantas novidades consumidas, nosso coração nunca está contente e satisfeito? E é aqui que mora o perigo. É aqui onde queriamos chegar. Por que existe esse insasiavel desejo pelo novo?


A filosofia, a sociologia, a psicologia e as demais ciências humanas podem perceber, explicar e descrever as causas e os efeitos do anseio por novidades que nossa sociedade vive. Mas não conseguem curar nossa geração do descontentamento causado pela ditadura do novo. Aqui, mudamos o foco de diagnosticar a ditadura do novo para buscar a cura do descontentamento de nossa geração. E ousamos dizer, sem a menor sombra de dúvida, que a cura para esse descontentamento da alma está em viver fora de Deus. Porque somente Deus é o contentamento do coração do ser humano. E nunca viveremos satisfeitos, consumindo novidades impostas pela ditadura do novo. Pelo contrário, viveremos sempre algemados a ditadura do novo. E porque a busca insasiável pelo novo vira numa mesmice de todo jeito: a mesmice da ditadura do novo. A ditadura do novo se torna em mais um mesmo de sempre.



A único jeito de conseguir a liberdade contra a ditadura do novo é reconhecendo quem somos. Podemos dizer que fomos criados de Deus e para Deus. Depois que o homem se rebelou contra a santa vontade de Deus, o homem cometeu suicídio existencial, causando um vazio em seu coração do tamanho de Deus. Porque não há vida fora de Deus. Durante todo sua história, o homem vem tentando preencher seu coração com as variadas novidades instantâneas que surgem sempre. Mas nessa busca, o homem tem se frustrado em saber que seu coração é faminto e insasiável. Mas, há esperanca. A Biblia, nos ensina a viver contente e satisfeitos em Deus mesmo quando sofremos por perdas, mesmo quando não temos o que desejamos, mesmo vivendo na mais diversa situação adversa, mesmo quando não sentimos o que queremos sentir e mesmo quando a vida não passa da mesmice de sempre. Quando desfrutamos de um relacionamento com Deus, recebemos uma nova vida em Cristo. E vivemos em novidade de vida, porque, em Cristo, Deus satisfaz a fome do nosso coração.


Essa é a boa notícia de liberdade contra a ditadura do novo. É a notícia de que, em Cristo, viveremos contentes em toda e qualquer situação, porque, Deus nos fortalece durante todos os momentos que passarmos. O Paulo, apostolo, nos diz que: “...aprendi a adaptar-me a toda e qualquer circunstância. Sei o que é passar necessidade e sei o que e ter com fartura. Aprendi o segredo de viver contente em toda e qualquer situação, seja bem alimentado, seja com fome, tendo muito, ou passando necessidade.Tudo posso naquele que me fortalece” (Fp 4.11-3), “...porque o seu Pai sabe do que voces precisam, antes mesmo de o pedirem” (Mateus 6.8b). Isso é felicidade em Deus. Isso é ser livre da ditadura do novo que provoca necessidades insasiáveis. Isso é viver em feliz, contente e satisfeito em Deus vivendo em toda e qualquer circunstância, seja adversa ou divertida. Assim, poderemos entregar todas as nossas necessidades nas mãos de Deus e fazer um coral em adoração com o salmista: “Como a corça anseia por águas correntes, a minha alma anseia por ti, ó Deus. A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo...” (Salmo 42.1e 2a). Agora não precisam me dar nenhuma novidade. Estou satisfeito com o que tenho e com o que sou. Vivo a vida simples de viver com a espetacular presença de Deus em meu coração. Agora estou contemplando o Deus da minha vida que nunca é uma mesmice.



Jairo Filho

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