Como amar o inimigo sem ser hipócrita?

Sabemos que todo mundo fala de amor. Filmes, histórias, poesia, músicas e livros são alguns exemplos das publicações do amor. E ainda sabemos que em todo relacionamento buscamos amar e ser amados. A família, o casamento, a amizade e as diversas parcerias da vida são cenários das relações de amor. Porém, são nesses mesmos contextos que surgem as maiores crises de relacionamento: ofensas, intrigas, inimizade, separação e clicos de vingança etc.

Diante do desejo de amar e da crise dos relacionamentos, a quem eu devo amar? Essa foi a pergunta feita a Jesus pelo perito da lei (Lc 10:29). Ele pensou: "Se devo amar o meu próximo, quem é o meu próximo? A quem eu devo amar?" Jesus responde a essa pergunta contando a história de dois inimigos de raça, cultura e crenças diferentes que se encontram no caminho da vida. Um deles salva o que estava quase morto pedindo socorro, doando tudo o que tem de melhor para o seu inimigo. Nessa história, Jesus ensina que o próximo pode ser também o inimigo. Isso nos lembra Jesus dizendo: “amai os vossos inimigos” (Mt 5:44).

Diante disso, alguém já perguntou: "Como eu posso amar o inimigo? Se amá-lo, vou ser descaradamente falso". Esse dilema surge porque temos idéias estranhas sobre o amor.

Primeiro temos que pensar sobre os vários significados da palavra amor. Diferentemente da língua portuguesa, o grego apresenta pelo menos 3 palavras para o amor: Phileo é o amor da amizade. Eros é o apaixonado amor entre homem e mulher. E o amor Ágape é o amor divino, resistente, eterno. Phileo e Eros são sentimentos conquistados por merecimento; já o ágape é decisão de amar imerecidamente sem trocas ou reciprocidade. Jesus nos ordenou a exercitar o amor ágape nos relacionamentos quando disse: “Novo mandamento vos dou: que vos amei uns aos outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros”. (Jo 13:34). Podemos destacar aqui a lição de que devemos amar uns aos outros com o mesmo modelo, padrão e exemplo do amor de Jesus. Assim, devemos olhar para Jesus e saber como ele amou uns aos outros. Olhando para a vida de Jesus podemos aprender pelo menos 3 lições sobre o significado do amor em nossos relacionamentos:

1. O amor ágape segundo Jesus é muito mais do que gostar de alguém. Amar é diferente de gostar. Devemos amar todo mundo. Isso não significa que devemos gostar de todo mundo. Nós gostamos de algumas pessoas e não gostamos de outras. Mas devemos amar todas as pessoas, inclusive aquelas de quem não gostamos. Você não precisa gostar para amar. Deve inclusive amar sem gostar. Jesus não gostava de seus inimigos religiosos e políticos, porém, amou todos eles. Isso significa que amar não é gostar do inimigo ou ter afinidade com ele. Isso implica que amar não impede de denunciar a injustiça, protestar contra a maldade, reinvidicar os direitos humanos nem disciplinar quem erra. Vemos que Jesus não demonstrou seu amor fazendo serenatas de saudades para os religiosos fariseus, nem escreveu cartas de amor para os ladrões do templo, nem fez homenagens para Herodes. Mas Jesus amou todos eles, inclusive, ao ponto de denunciar o pecado deles e dar sua própria vida para salvá-los. Enfim, Jesus amou seus inimigos, mas não gostou deles, não aprovou seus erros nem se alegrou com as injustiças deles (I Co 13:6).

2. O amor ágape segundo Jesus ultrapassa a convivência íntima. Amar não é necessariamente conviver intimamente com todas as pessoas em todo o tempo e transformar sua casa na “casa da mãe joana”. Aprendemos nos evangelhos que o amor de Jesus respeitava fronteiras e limites de convivência. Jesus vivia distante de seus inimigos religiosos e políticos, era mais formal com a multidão, porém mais próximo dos 70, mais chegado dos 12, mais ligado a 3 (Pedro, Tiago e João) e mais íntimo de um (João – quem encostou a cabeça sobre os ombros de Jesus). Isso significa que não é necessário conviver intimamente com certas pessoas para amá-las. Acredito que existem relacionamentos que devem promover amor numa convivência à distância. Não vemos Jesus comendo pizza com os fariseus, nem indo ao shopping com herodes, nem passeando na praça com os soldados romanos; pelo contrário, Jesus fugia deles. Isso nos diz que Jesus convivia separado de seus inimigos; porém os amou mesmo a distância, a tal ponto de dar a sua vida para realizar a reconciliação pelo seu sacrifício na cruz. Assim, Jesus mandou amar os inimigos e não ter intimidade com eles. Fuja dos inimigos que vos perseguem, porém os ame de longe.

3. O amor ágape segundo Jesus é incondicionado a roupa social, cultural e religiosa. O olhar de Jesus despia a personagem que todos vestiam para olhar o ser humano que cada pessoa é. Ele não enxergava apenas uma adúltera ou prostituta, mas uma mulher carente de amor. Jesus não enxergava apenas um pobre, ou um leproso ou um endemoniado, mas um ser humano carente, doente e oprimido. Jesus não enxergava impressionado apenas o glamour dos cargos políticos nem o status social e religioso dos fariseus, mas ele enxergava um ser humano perdido e morto em seus pecados. Jesus não enxergava apenas um rico, corrupto, cobrador de impostos, traidor e ladrão como Zaqueu, mas enxergava um homem pobre de espírito, com o coração vazio e carente da maior riqueza do mundo, o amor de Deus. Jesus não enxergava apenas o seu inimigo ofendendo, perseguindo e traindo; mas ele enxergava um ser humano doente no caixão do seu egoísmo. Assim, Jesus amou o ser humano despido de sua roupa social, cultural e religiosa. Isso significa que devemos amar o inimigo, porque antes de ser um inimigo, ele é um ser humano. Por isso, podemos amar o inimigo como Jesus amou.

As palavras e a vida de Jesus ecoam nas palavras de Paulo, apóstolo, que diz: “O amor seja sem hipocrisia...Amai-vos cordialmente uns aos outros com amor fraternal,...abençoai os que vos perseguem, abençoai e não amaldiçoeis...se teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber, porque, fazendo isto, amontoarás brasas vivas sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer o mal, mas vence o mal com o bem”. (Rm 12: 9a, 15, 20 e 21). Assim, podemos concluir que amar não é sentimento, intimidade nem tratamento condicionado à personalidade, mas amar é dar tudo o que somos e tudo o que temos em favor do bem da pessoa amada; mesmo que seja o teu inimigo, mesmo que seja dar aquilo que a pessoa não deseja, mas precise para gerar transformação e vida. Amar é fazer o bem aqueles que não o merecem. Faça isso e reproduza nos seus relacionamentos o que Deus já fez e faz por vc todo dia (Rm 5:8). Lute e vença o mal do ciclo vicioso e ininterrupto da vingança e do ódio com o bem do amor.


Em Cristo, o amor encarnado pelos seus inimigos

Jairo Filho

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