"Faça por merecer"


Esta é a última frase dita, antes de morrer, pelo capitão John Miller (Tom Hanks) para o James Ryan (Matt Damon) no final do filme “O Resgate do Soldado Ryan”. Este filme retrata uma história da segunda guerra mundial: Após a invasão dos aliados à praia de Ohama na França, acontece a maior batalha da segunda guerra mundial que marca o famoso “Dia D”. O pelotão do capitão John Miller é quase extinto no “Dia D”, restando apenas alguns poucos soldados. Nesse momento um dos generais do exército estadunidense e o presidente do país, recebem a notícia de que 3 de 4 irmãos da família Ryan, filhos de uma viúva solitária, foram mortos durante a Guerra. Apenas um filho estava vivo, mas não se sabe onde ele está.

Com isso, o capitão John Miller recebe a missão de resgatar o último soldado Ryan em troca do direito de seu pelotão voltar para casa. Durante a procura pelo soldado Ryan, muitos soldados do pelotão morrem. E assim, começa uma discussão entre os soldados, se vale a pena sacrificar todo o pelotão por um soldado desconhecido. Durante uma conversa entre os soldados, o capitão Miller diz mais ou menos assim: “Espero que esse Ryan seja um bom soldado e invente a cura para o câncer, para valer a pena o sacrifício do resgate”.

Na parte final do filme, o capitão Miller, encontra e conhece o tal soldado Ryan. O Capitão percebe que ele é um bom e fiel soldado. E por isso, decide protegê-lo contra um iminente ataque dos nazistas a uma ponte guardada pelos aliados. Durante esse ataque, o capitão Miller é baleado um pouco antes do fim dessa batalha. Quase morrendo, o capitão Miller balbucia no ouvido do Ryan suas últimas palavras antes de morrer: “Faça por merecer”.

Essa última frase é levada pelo Ryan por toda a sua vida. O filme mostra o Ryan já idoso, com esposa, filhos e netos o acompanhando ao cemitério para homenagear os soldados mortos. Em frente ao túmulo do capitão Miller, o Ryan diz mais ou menos assim: “Eu tentei ser o melhor homem durante toda a minha vida. Tentei fazer por merecer o seu sacrifício de me resgatar”. Com muitas lágrimas, o Ryan, cheio de aflição, insegurança e desespero, diz repetidamente a sua esposa: “Diga que eu fui um bom homem.” Ele precisava de uma aprovação da esposa para lhes aliviar a dor da consciência de que devia sua vida ao seu salvador, o capitão Miller; e ainda, não tinha certeza se tinha conseguido pagar a salvação, fazendo por merecer o resgate recebido.

Percebo que esse soldado Ryan carregou dentro de si, durante toda a sua vida, uma dívida impagável e uma responsabilidade nervosa e cheia de culpa de fazer por merecer o resgate recebido sendo um bom homem. Ou seja, o capitão Miller salvou o soldado Ryan para que ele pudesse pagar o resgate sendo um bom homem. Mas é possível pagar a salvação?

Esse filme pode ser uma ótima ilustração que retrata exatamente a religiosidade cristã evangélica brasileira. Os evangélicos recebem a salvação de Deus e passam sua vida inteira tentando quitar a dívida com suas boas obras de justiça própria. Passam sua vida imaginando que Cristo disse antes de morrer: “Faça por merecer meu sacrifício por vocês. Faça por merecer a salvação”.

Dessa forma, é importante afirmar que toda religião ensina: obedeça para ser salvo. Ou seja, obedeça para receber a salvação. Isso é a teologia do mérito da religiosidade: Faça algo para Deus ou para o próximo para merecer a salvação e/ou as bênçãos de Deus. Assim, o religioso vive fazendo sacrifícios para comprar, conquistar, adquirir e ganhar a salvação de Cristo como retribuição e/ou prêmio merecido.

Quem vive assim, corre, pelo menos, 7 perigos e muitas conseqüências:

1. Obedecer a Deus em forma de contrato utilitarista: Cria um acordo com Deus: Só obedece a Deus para cumprir sua parte e espera que Deus cumpra a dele. Assim, faz sua parte (obediência) e espera a retribuição (a salvação/bênção). E quando Deus não cumpre sua parte no contrato, ameaça Deus de abandoná-lo, ou realmente o abandona por que Deus não tem mais utilidade. Ou seja, obedece a Deus enquanto há vantagem.

2. Obedecer a Deus com expectativa de premiação e retribuição: Obedece sempre esperando elogio, aplauso, promoção, benção, milagres, recompensa, retribuição. Tem um relacionamento de barganha, negócio, troca, de toma lá, dá cá, bumerangue. Ou seja, a obediência compra a recompensa e passa ser uma ferramenta e moeda de troca, compra, manipulação e bajulação. Sendo assim, você é capaz de obedecer a Deus quando ninguém está olhando? Você seria capaz de obedecer a Deus mesmo sabendo que não irá ganhar nada?

3. Obedecer a Deus de forma mecânica: Quem obedece esperando receber prêmio de Deus, com o passar do tempo, obedece sem amor, alegria, liberdade e espontaneidade. A obediência é feita sem nenhum afeto e amor para com Deus; mas sim, com a intenção e motivação de ganhar vantagens na relação de troca com Deus. Assim, o desejo pela pessoa e amor de Deus é trocado pela satisfação dos desejos gulosos pelo que o poder de Deus pode dar na troca. O resultado disso é uma fé fria, cultos mortos, vãs repetições litúrgicas, ministérios feitos para aliviar o peso da consciência religiosa, devocionais cheio de rotina, orações decoradas, leituras bíblicas mecânicas etc.

4. Obedecer a Deus por medo de seu castigo: Imagino que se não tivesse inferno ou castigo, muitas pessoas não obedeceriam a Deus. Isso nos leva a pensar que a maior motivação para obedecer a Deus é o medo de Deus e seu castigo. Por isso, quando alguém comete algum pecado (real ou imaginário) imagina que Deus irá castigá-lo e mandá-lo para o fogo do inferno, porque Deus não o ama mais por causa do pecado cometido. Assim, com tanto medo do castigo de Deus, parece que a única saída para uma vida sem dor é a obediência por medo.

5. Obedecer a Deus por complexo de culpa: Aquele que peca por algum motivo, fica se sentindo culpado, ou quando a obediência não gera benção, pensa que fez algo de errado. Assim, carrega dentro de si, durante toda a sua vida, uma dívida impagável e uma obrigação de penitência para se livrar do castigo e pedir perdão. Por isso que existe tanto religioso cheio de complexo de culpa imaginária e fabricada pelos dogmas da religiosidade, vivendo com medo, nervoso, perturbado, condenado pelas grades do passado, apedrejado pela lei, acorrentado pelo perfeccionismo espiritual e cheio de feridas na alma.

6. Obedecer a Deus motivado por orgulho e exigência de direitos: Se aquele que peca fica com medo de Deus e cheio de culpa, então aquele que obedece fica cheio de orgulho por ter feito sua parte no contrato e cheio de direitos diante de Deus, chegando até mesmo a dar ordens reivindicando que Deus faça sua parte no contrato e determinando o agir de Deus.


7. Obedecer a Deus para ser senhor e salvador de si mesmo: Assim, o coração cheio de obediência pelas obras da justiça própria anula o sacrifício da cruz. Ou seja, o sacrifício humano de obedecer a Deus para merecer a salvação, torna inútil e inválido o sacrifício da cruz de Cristo. E assim, a salvação pelas obras faz sermos senhor e salvador de nossa própria vida. Ou seja, aquele que obedece para ser salvo nem precisa da obra da cruz para salvação. Ele é salvador e senhor de si próprio, uma vez que o sacrifício da obediência e da penitência foram feitos por ele mesmo para conquistar sua própria salvação. Dessa forma, nem precisa de ter fé em Cristo; é só exercer auto-ajuda para salvação, porque tem-se fé em si mesmo. E assim, surge a ego-latria, o culto a si mesmo.

Pense nisso!

Em Cristo, que nos salvou de nós mesmos

Jairo Filho

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