Discernindo a Idolatria

INTRODUÇÃO

Os dois primeiros mandamentos do Senhor Deus nos ensinam: “Não terás outros deuses além de mim. Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem de qualquer coisa no céu, na terra, ou nas águas debaixo da terra. Não te prostrarás diante deles nem lhes prestarás culto, porque eu, o Senhor, sou teu Deus...” (Ex 20:3-5). Jesus Cristo aplica esses mandamentos - quando foi tentado pelo Diabo a adorá-lo em troca dos reinos desse mundo sem o sacrifício da cruz - quando diz: “Retire-se, Satanás! Pois está escrito: Adore o Senhor, o seu Deus, e só a ele preste culto”. (Mt 4:10). Em outra ocasião, Jesus resume a lei e os escritos dos profetas em: “Ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento”. (Mt 22:37). Percebemos que Jesus cumpre toda a lei em adorar a Deus em toda sua vida como o único, exclusivo, suficiente e verdadeiro Deus. Partindo do exemplo de Jesus, devemos discernir as mais diversas e sutis expressões de nossa idolatria.

A etimologia da palavra Idolatria tem origem nas palavras: Eidolon (imagem) + latreia (culto) = Culto à imagem. Quando sabemos disso, geralmente, nos vem à mente a imagem de homens primatas selvagens rastejando em volta de um poste-ídolo, estátuas com faces cruéis, danças religiosas com sacerdotes fazendo sacrifícios de animais, romarias em busca de padroeiros, gente subindo e descendo escadas para pagar promessas e etc. Mas creio ser necessário ir mais fundo nessa questão para discernir as sutis expressões de idolatria em nosso meio, porque percebo que a cultura popular evangélica tem muita idolatria impregnada em sua religiosidade.

Para começo de conversa, levanto a tese de que idolatria é tudo que substitui o lugar de Deus no coração. Ídolo é tudo aquilo que nega o senhorio de Cristo em nossa vida.

Aprofundando e definindo esse tema, vejamos as mais sutis expressões de idolatria:

1. IDOLATRIA É REDUZIR DEUS A SER O MAIOR DE TODOS OS DEUSES. O primeiro mandamento, “não terás outros deuses além de mim” (Ex 20:3), é uma afirmação de que não existem outros deuses. Na verdade, os outros deuses são fabricação da mente humana, isto é, ídolos. Toda vez que Deus é comparado com “outros deuses”, mesmo para que seja destacado como o maior e melhor, ele foi reduzido à categoria de ídolo. Na verdade, temos que saber que Deus é único. Não há outro deus além do único, verdadeiro, suficiente Deus de Jesus Cristo. E isto basta. Pois, “a vida eterna é esta: que te conheçam a ti o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo a quem enviaste”. (Jo 17:3).

2. IDOLATRIA É REDUZIR DEUS A MATÉRIA. Quando Deus é confinado aos limites de imagens, locais, pessoas, rituais, símbolos, seres ou qualquer medida estamos desonrando Deus, obscurecendo sua glória de nós. E, além disso, qualquer imagem material de Deus é enganosa, pois projeta falsas idéias a respeito do caráter de Deus. Não podemos esquecer que Deus é Espírito Eterno (Jo 4: 24, Jó 36:26, Sl 90:2, Ap 1:8). Assim, nossa adoração a Deus acontece verdadeiramente em espírito; pois, Deus não tem tamanho ou dimensão espacial, e está presente em cada ponto do espaço com a plenitude do seu ser. “Deus não habita em santuários feitos por mãos humanas...não devemos pensar que Deus é semelhante a uma escultura de ouro, prata ou pedra, feita pela arte e imaginação do homem” (Atos 17:24 e 29).

3. IDOLATRIA É REDUZIR DEUS A SEMELHANÇAS HUMANAS. Deus tanto nos proíbe moldar imagens de esculturas concretas de Deus, como também nos proíbe criar mentalmente imagens de Deus. Quando relaciono Deus a um papai noel (presenteia quem merece), a uma noiva interesseira (ama para ter dinheiro), a um ditador político (quer dominar o mundo a força), a um garçom (é pago para nos servir), a um bote salva vida (existe, mas esperamos nunca ter que usa-lo. E só usamos quando estamos correndo perigo), a um pai (pode ser semelhante a muitos que conhecemos: tirano, castigador, carrasco, mimado, imbecil, domável, ausente, falso etc), aos mais diversos tipos de pessoas (justa, santa, piedosa, milagreiro, sacerdote, intercessor). Diante disso, não podemos esquecer que Deus é amor. E o amor de Deus é revelado pela pessoa de Cristo e em sua obra na cruz. Nada além de Cristo pode ser comparado exatamente à semelhança das criaturas humanas. A única expressão exata de Deus é Jesus, pois é “a imagem do Deus invisível” (Cl 1:15) e o Verbo – que é Deus – “tornou-se carne e habitou entre nós. Vimos a sua glória, glória como do Unigênito vindo do pai, cheio de graça e verdade”. (Jo 1:14). Deus é Jesus.

4. IDOLATRIA É REDUZIR DEUS APENAS UM GRANDE PODER IMPESSOAL. Esse tipo de idolatria acontece quando o relacionamento com Deus é reduzido a experimentar o poder de Deus sem consultar sua vontade sobre nossas vidas. Isso é atribuir a Deus um poder neutro, e, portanto, despersonalizá-lo. Gedeon Alencar, fazendo uma analogia entre a ética neopentecostal e a candomblecista, explica e denuncia que a fé dessas religiões é usada como instrumentalização e manipulação do poder divino. Tanto um pastor como um pai de santo podem, muitas vezes, “amarrar” uma união amorosa, bem como desfazê-la, sem fazer juízo moral. Eles são pagos por seus serviços sem consultar a vontade moral de suas divindades. Isso é muito evidente no conceito de oração dos atuais evangélicos. A oração é uma busca pelo poder divino que é solicitado a ser usado independentemente da vontade de Deus. Mas, diante disso, a Bíblia nos ensina que Deus é pessoalmente santo e tem sua santa vontade absoluta estabelecida em sua Palavra. Um exemplo: Um dos ladrões ao lado da cruz de Cristo queria a salvação sem o salvador quando insultava a Jesus, dizendo: “Você não é o Cristo? Salve-se a si mesmo e a nós!” (Lc 23:39). Enfim, este queria a salvação de Jesus, mas não o Salvador e Senhor Jesus. Em resumo, idolatria é somente buscar os milagres, benção e poder de Deus sem o Deus dos milagres, benção e poder. É adorar o poder divorciado da pessoa de Deus.

5. IDOLATRIA É REDUZIR DEUS A NEGOCIADOR. Quando o relacionamento com Deus é baseado em mérito e demérito de causa e efeito numa relação de barganha, troca e contrato; criamos um deus que assina um contrato-utilitarista, onde o fator determinante desse contrato passa a ser mais a força humana do que a de Deus. Assim, Deus apenas reage às atitudes humanas, podendo ser (a) manipulado pela fé humana, (b) ser culpado de não cumprir seu papel no contrato inventado pelo homem e (c) ser obrigado a compartilhar sua glória com os méritos humanos. Mas a Palavra de Deus nos ensina que Deus é soberano e cheio de graça e misericórdia. Suas atitudes de graça para com o ser humano não obedecem às atitudes de causa e efeito. Deus “não nos trata conforme as nossas iniqüidades...pois sabe do que somos formados; lembra-se de que somos pó.” (Sl 103: 10 e 14). O Deus apresentado por Jesus é o Deus que ama aqueles que não merecem para levar ao colapso a justiça retribuitiva provocada pela lei de causa e efeito da religiosidade.

6. IDOLATRIA É REDUZIR DEUS A UM DISCUSSO RELIGIOSO. Quando Deus é transformado em objeto de discussão filosófica e teológica, para ser fazer uma anatomia divina, a fim de determinar como Deus funciona através do raciocínio humano. Assim, Deus passa a ser criação da mente humana, em detrimento de devoção, rendição, amor, submissão, mistério, encantamento diante da pessoa de Deus. Aquele que se aproxima de Deus para conhecê-lo e fazê-lo conhecido deve saber que Deus é indiscutível. Deus não cabe na mente humana. Pois, “quão insondáveis são os seus juízos e inescrutáveis os seus caminhos! Quem conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro?” (Rm 11:33-36). Enfim, Deus não cabe nos compêndios teológicos. Se couber, ele não passa de um ídolo da teologia.

7. IDOLATRIA É A “EGOLATRIA” – Quando adoro a mim mesmo, numa devoção narcisista cheia de justiça própria. Jesus condena a justiça dos fariseus hipócritas que doavam esmolas, oravam e jejuavam “... a fim de serem honrados/vistos pelos outros...” (Mt 6:3) e “...orava de si para si mesmo...” (Lc 18:11). Assim, “o destino deles é a perdição, o deus deles é o ventre...” (Fp 3:19). Idolatria é quando a mais íntima motivação e intenção do coração - daquele que deseja ser santo - se mascara de purpurina e néon em busca dos holofotes, palcos e aplauso da mídia religiosa. Agora, pare e pense: Você seria capaz de obedecer a Deus quando ninguém está olhando ou quando não há nenhuma recompensa?

8. IDOLATRIA É CULTUAR PESSOAS. Quando o ser humano é um ídolo em nossa vida. Ex: família, amigos, líderes espirituais, ricos e famosos, professores, mestres e gurus, namorado(a), igreja, comunidade, país etc. Certa vez, Paulo e Barnabé curaram um paralítico em Listra. Quando a multidão viu o milagre, começaram a adorá-los. Mas a resposta pronta deles foi: “Nós também somos humanos como vocês....afastem-se dessas coisas vãs e voltem-se para o Deus vivo...” (Atos 14:13 e 15).

9. IDOLATRIA É “MONEYLATRIA”. Quando eu amo os meus bens e quando o dinheiro é meu patrão. Sinal de que idolatro meu dinheiro é: (a) Quando sou consumista desenfreado. (b) Quando sou pão duro e não consigo ter despreendimento de posses nem consigo compartilhar e dividir o que tenho com o próximo. (c) Quando vivo correndo atrás de mais dinheiro por estar insatisfeito e descontente com o que tenho. (d) Quando transformo Deus em instrumento, ferramenta e meio para se ganhar mais dinheiro. (e) Quando o sentido da minha vida é ser rico e milionário. Jesus considera o dinheiro uma potestade quando diz: “Pois onde estiver o teu tesouro, aí estará o seu coração...Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro.” (Mt 6:21 e 24). “Pois o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males. Algumas pessoas, por cobiçarem o dinheiro, desviaram-se da fé e se atormentaram com muitos sofrimentos.” (ITm 6:10). Uma vez que a avareza é idolatria (Cl 3:5).


10. IDOLATRIA É TRANSFORMAR A BENÇÃO DE DEUS EM ÍDOLO. Todas as imagens que nos apegamos - porque nos dá proteção, significado e realização sem ser Deus – transformam-se em ídolos. Esses pequenos ídolos atuam com enorme poder sobre a vida humana. Muitos desses ídolos podem ser nosso status, segurança, emprego, família, amigos, sonhos, ideais, instituição, religião, dinheiro, sexo, poder. Ricardo Barbosa de Souza nos alerta: “Para muitos cristãos, o centro em torno do qual giram suas vidas não é Deus e a vontade divina, mas é seu trabalho, posição social, família, estabilidade econômica, realização profissional, etc. Quando uma ou mais destas coisas são abaladas, ou mesmo arrancadas de nós, seja a estabilidade econômica ou familiar frequentemente perguntamos: Onde está Deus? Como se Deus tivesse ido embora quando se perdem bens de grande valor. A estabilidade, os bens ou mesmo a profissão transforma-se facilmente em nossos ídolos, e Deus não passa de uma força que ora na preservação daquilo que de fato não sustenta nossa crença”.


CONCLUSÃO:
Cuidado com o veneno sutil da idolatria. Não transforme Deus num deus. Não seja um deus de si mesmo. Não adore nada nem ninguém.
A única forma de vencer a tentação da idolatria é conhecer cada vez mais a Deus e se satisfazer nele. Assim, ore: “Fizeste-nos para ti, ó Deus, e nossa alma não repousará tranqüila enquanto não repousar em ti.” (Agostinho de Hipona)


Em Cristo, nosso único e verdadeiro Deus.

Jairo Filho

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